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tragédia na bica

MPPB cobra medidas após morte

publicado: 02/12/2025 08h44, última modificação: 02/12/2025 08h44
Órgão pede providências em relação a incidente no Parque Arruda Câmara; prefeitura avalia instalar câmeras
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A leoa Leona atacou Gerson de Melo Machado, que invadiu seu recinto, no último domingo (30), e faleceu no local | Foto: Carlos Rodrigo

por Íris Machado*

O Ministério Público da Paraíba (MPPB) instaurou procedimento para acompanhar as medidas adotadas por órgãos municipais de João Pessoa em relação ao incidente registrado, no último fim de semana, no Parque Zoobotânico Arruda Câmara, popularmente conhecido como a Bica. No domingo (30), o jovem Gerson de Melo Machado, de 19 anos, foi morto após invadir o recinto da leoa Leona, mantida no zoológico, e ser atacado pelo animal.

Conforme a Notícia de Fato protocolada pelo MPPB, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semam-JP) terá um prazo de 15 dias para relatar as providências adotadas após o ocorrido, especificando eventuais procedimentos administrativos, vistorias, avaliações técnicas ou medidas de reforço de segurança relacionadas à Bica. A administração do parque zoobotânico, por sua vez, também dispõe do mesmo prazo para esclarecer ao órgão ministerial as ações que vêm sendo tomadas após o acontecimento, inclusive quanto ao manejo, a proteção e a saúde da leoa.

“Estamos atentos e vigilantes, devendo dizer que outras medidas podem ser tomadas no futuro, caso o Ministério Público entenda necessárias, notadamente aquelas que digam respeito à segurança do próprio animal e da população que frequenta o ambiente”, destacou o promotor de Justiça Edmilson de Campos Leite Filho.

Ainda ontem, a Bica sediou uma reunião técnica, promovida pela Prefeitura Municipal, para avaliar pontos de vulnerabilidade e discutir novas ações a serem tomadas no espaço após o episódio, visando garantir a proteção dos bichos, dos profissionais que atuam no zoológico e dos visitantes do local. Um dos implementos avaliados é a instalação de câmeras de vigilância, equipadas para reconhecimento facial e análise de comportamento, com o intuito de ampliar a segurança do ambiente. Os recursos deverão ser viabilizados pela Secretaria Municipal de Segurança Urbana e Cidadania (Semub-JP).

Na ocasião, o titular da Secretaria de Meio Ambiente da capital (Semam-JP), Welison Silveira, frisou a importância de manter o diálogo com diferentes instituições a respeito do tema. “Entendemos a nossa responsabilidade como gestores públicos e vamos reforçar as parcerias com técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) e com a Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (Asab), para garantir que todas as medidas necessárias sejam adotadas”, disse.

O Conselho Regional de Medicina Veterinária da Paraíba (CRMV-PB) também participará de uma inspeção técnica para contribuir com as providências. A entidade já havia reforçado a necessidade urgente de revisão dos sistemas de vigilância da Bica, apontando ocasiões em que foram registrados furtos de animais no espaço, e revelou que pretende instituir uma comissão para analisar as condições estruturais e operacionais do ambiente.

Fechado

Ainda conforme a gestão municipal, o Parque Arruda Câmara permanecerá fechado para visitação nos próximos dias, sem data para retorno das atividades.

Vítima sofria de esquizofrenia e tinha passagens pela polícia

Também conhecido como “Vaqueirinho”, Gerson faleceu por volta das 10h do domingo (30), quando subiu por uma estrutura de mais de 6 m, na lateral do recinto da leoa Leona, ultrapassou as grades de segurança e apoiou-se em uma das árvores no ambiente do animal para adentrar o espaço. Ao descer pelo tronco do vegetal, ele foi alcançado pelo felino.

De acordo com o Instituto de Polícia Científica (IPC), a causa da morte foi choque hemorrágico, causado por ferimentos perfurantes e contundentes na região do pescoço. O caso está sendo apurado pela Prefeitura de João Pessoa, que já se manifestou rechaçando a possibilidade de sacrificar o bicho.

O jovem somava 16 passagens pela polícia e sofria de esquizofrenia. De acordo com a conselheira tutelar Verônica Oliveira, que acompanhou Gerson durante quase uma década, ele sonhava em visitar a África e domar leões. Em um pronunciamento que circulou nas redes sociais, Verônica relatou ter conhecido Gerson quando ele foi encaminhado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) ao Conselho Tutelar de Mangabeira, na capital, após ter sido encontrado sozinho às margens de uma rodovia, aos 10 anos.

Ainda na infância, o jovem começou a praticar furtos, que ocasionaram 10 apreensões policiais, e passou a se envolver em situações de risco. Num desses episódios, ele chegou a fugir do abrigo onde vivia e invadir a pista de pouso do Aeroporto Castro Pinto, sendo detido por equipes de segurança do local.

Verônica contou, no texto que publicou na internet, que as condições mentais e sociais de Gerson — igualmente afetado por atraso cognitivo — refletiam seu histórico familiar. “Eu conheci a criança que foi destituída do poder familiar da mãe, impedido de ser adotada como os outros quatro irmãos. Ele só queria voltar a ser filho da sua mãe, que é esquizofrênica e não tinha condições de cuidado”, lamentou a conselheira, acrescentando que o jovem também tinha avós com esquizofrenia.

Busca de emprego

Na semana passada, Gerson havia deixado o Presídio do Róger, onde cumpriu detenção, e procurava um emprego em João Pessoa. Conforme Verônica, ele a contatou para que ela o ajudasse a providenciar uma Carteira de Trabalho. Contudo, dias depois, o jovem foi preso após atirar um paralelepípedo em uma viatura da Polícia Militar do estado (PMPB).

“Gerson precisava de tratamento psiquiátrico”, declarou a conselheira tutelar. Nas redes sociais, Edmilson Alves, diretor do Presídio do Róger, classificou a morte como uma “tragédia anunciada” e explicou que a Justiça já havia determinado seu encaminhamento para um Centro de Atenção Psicossocial (Caps), onde Gerson teria decidido não permanecer.

Equipe técnica acompanha o felino e garante cumprimento de normas

Em nota sobre a morte de Gerson, a Prefeitura de João Pessoa informou que ele insistiu na invasão, apesar das medidas de segurança do local. Por meio da Semam-JP, a gestão municipal iniciou a apuração das circunstâncias do episódio e declarou que contribuirá com as autoridades competentes. Já a administração do Parque Arruda Câmara lamentou o ocorrido e manifestou solidariedade à família e aos amigos de Gerson, frisando que colabora com os órgãos competentes para o esclarecimento dos fatos.

Espaço permanecerá fechado para visitação até a conclusão das investigações | Foto: Quel Valentim/Secom-JP
Segundo Thiago Nery, médico veterinário da Bica, a área que abriga Leona obedece às instruções normativas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com barreiras que superam os requisitos mínimos determinados para esse tipo de ambiente.

O profissional também revelou que Leona está mais tranquila, após o elevado nível de estresse que apresentou ao ter seu recinto invadido. Ela foi avaliada pela equipe técnica do local e segue em observação e acompanhamento contínuos, com todos os cuidados necessários. Conforme o veterinário, a possibilidade de eutanásia do animal não foi considerada em nenhum momento.

“Algumas coisas a gente não consegue prever, porque realmente fogem da normalidade. Mas a gente tranquiliza a população: o animal encontra-se bem. A gente tem biólogos, zootecnistas e veterinários que estão dando assistência para garantir, ao longo das próximas semanas, um acompanhamento ainda maior — que é o preconizado quando a gente tem o contato de um animal selvagem diretamente com um ser humano”, explica.

Comportamento

Nascida no próprio zoológico, Leona tem 18 anos, 130 kg e vive junto à leoa piauiense Mimi. Fora do contexto do incidente, ela não demonstra comportamento agressivo e passa por treinamentos anuais, os quais garantiram que ela fosse contida sem o uso de arma de fogo ou de tranquilizantes.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 2 de dezembro de 2025.