A violência contra a mulher é uma realidade que assusta. Em apenas seis dias - 6 a 11 de outubro - foram registrados seis feminicídios na Paraíba, dois em João Pessoa, um em Bayeux, um em Mamanguape, um em Guarabira e outro em Pedras de Fogo. Recentemente, mesmo tendo registrado boletim de ocorrência, a estudante Rayssa de Sá foi morta, no município de Belém, pelo ex-companheiro que não se conformava com a separação.
Para que a violência não chegue ao femicídio, a ajuda junto aos órgãos de proteção e a medica protetiva contra o agressor tem se mostrado um dispositivo importante. Em 2003, o número de medidas protetivas chegava a 54 e, em 2022, chegou a 7.100. Apenas neste ano, de janeiro a outubro, já são 6.114.
Segundo a secretária de Estado da Mulher e da Diversidade Humana, Lídia Moura, as mulheres estão mais conscientes sobre as redes de proteção e isso contribuído para a mudança desse cenário de violência. “As mulheres compreendem que a medida protetiva é eficaz, e isso é um dado muito importante. Nós temos muitas mulheres protegidas com a medida. Perdemos uma esses dias – Rayssa - e estamos derrotadas, mas veja que temos as inseridas na medida protetiva protegidas. Então, ela é eficaz, é muito importante e reflete que a mulher está encontrando segurança nessa medida”.
A Paraíba tem uma rede forte de atendimento às mulheres e as ações estão sendo interiorizadas. Hoje há Casa de Acolhida em Sousa, a Patrulha Maria da Penha está em 100 municípios e caminha agora para o Sertão. “Não seria criar novas medidas, mas melhorar e ampliar o que existe. A rede é sólida. As soluções que vêm sendo dadas nas últimas décadas são eficazes. A medida protetiva salva vidas, garante segurança para as mulheres. Para aqueles agressores que não se afastam, nós temos a Patrulha Maria da Penha que vai monitorar a vida das mulheres que têm ou que solicitaram medidas protetivas, mas nós precisamos ampliar o que já tem, delegacias, varas de enfrentamento à violência no Tribunal de Justiça, precisamos que os municípios criem os centros de referência aliados com esse trabalho que o Estado faz e que está ampliando”.
A secretária destaca a criação de novos equipamentos no interior, e o governador João Azevêdo determinou que a Patrulha Maria da Penha alcance os 223 cidades. “Todos nós fazendo um pouco do que preconiza a Lei Maria da Penha, ampliando os serviços, vamos enfrentar melhor a violência contra as mulheres, incluindo o processo de educação”.
Investir na educação é uma das formas de enfrentar a violência
O combate a qualquer tipo de violência deve ser, desde cedo, incentivado pelas famílias. As crianças e adolescentes devem crescer em ambientes saudáveis e livres de violência, e o combate à violência contra a mulher é algo que precisa ser propagado desde cedo. É o que afirma a senadora Daniella Ribeiro.
“Fui a relatora do PL 598/2019, que deu origem à Lei no 14.164/2021, que altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir conteúdo sobre a prevenção da violência contra a mulher nos currículos da Educação Básica”, relata.
A secretária Lídia Moura também acredita que é preciso entrar firme na questão da educação e concorda que os currículos escolares têm que trazer o diálogo sobre os direitos das mulheres, sobre a não violência, sobre a diversidade humana, sobre o não preconceito para que meninas e meninos compreendam que eles são iguais e devem ter oportunidades iguais dentro de uma sociedade civilizada.
“No quesito educação teremos que caminhar com mais firmeza. Aqui na Paraíba, estamos em diálogo com a Secretaria de Educação e temos um trabalho nesse sentido, mas temos que caminhar para que essa seja uma rotina nas escolas como é Matemática, Língua Portuguesa, como são outras disciplinas. E nem é a uma disciplina específica a que me refiro, é dentro de todas as disciplinas uma transversalidade que dialogue sobre a vida das mulheres. Esse é um ponto que eu considero extremamente necessário”, pontua.
Vítimas estão buscando ajuda dos órgãos oficiais
Dados do Tribunal de Justiça da Paraíba apontam que, em 2022, foram expedidas 7.132 medidas protetivas. Este ano, até outubro, são 6.114, números que, para Lídia Moura, refletem que as mulheres estão buscando ajuda, denunciando mais, e que o nível de violência ainda é alto, mas também evidencia que há uma resposta. Comparando os dados deste ano com os de anos anteriores, é possível perceber que o aumento está relacionado à segurança que a mulher está encontrando na resposta da medida. Essa medida, segundo ela, tem sido monitorada, por exemplo, pela Patrulha Maria da Penha nos casos dos violadores de direitos.
Conforme preconiza a Lei Maria da Penha, a Paraíba conta com equipamentos para salvaguardar a vida dessas mulheres como as casas-abrigo, os centros de referência, casa de acolhida, mas ainda é necessário que os municípios ofereçam os centros de referência. “Os Centros de Referência da Mulher deveriam ser como os Centros de Referência de Assistência Social (Cras) que todos os municípios têm, mas só temos em sete cidades no estado”, constata.
A secretária acredita que essas medidas, aliadas à educação e ao cumprimento da lei, vão contribuir para o Estado avançar mais. “E a lei, para ser cumprida, precisa que o sistema de justiça crie mais varas de enfrentamento à violência. Nós só temos duas. Precisamos que o Ministério Público também amplie sua atuação junto dessa rede. Por exemplo, um núcleo de atendimento à mulher no MP para fazer o atendimento às mulheres, a exemplo do que temos em alguns estados, como a Bahia, também é muito bem-vindo”. Lídia Moura afirma que esse atendimento é para fazer o que o Ministério Público já faz que é a solicitação de medida protetiva, o encaminhamento para as mulheres, mas constata que essa rede precisa ser ampliada.
“É importante que se dê sequência à denúncia”
Embora crimes de feminicídio possam desencorajar algumas mulheres, elas precisam denunciar. “Nós perdemos uma mulher, mas se não denunciarmos, vamos perder muito mais. Temos que compreender que, para quem está no ciclo da violência, que sabemos ser doloroso, não é só fazer uma denúncia. Quando você tem uma medida protetiva, por exemplo, e o agressor se afasta por determinação da Justiça, tudo bem. Aquele que não se afasta, é preciso voltar à autoridade e relatar que ele está descumprindo”, frisa a secretária Lídia Moura.
No caso de Belém, por exemplo, a estudante tinha a medida protetiva que dizia que o ex-marido não poderia se comunicar com ela, inclusive pelo WhatsApp. O descumprimento da medida protetiva, conforme a secretária, é um crime e ele teria que ser preso pelo descumprimento da decisão judicial. “É muito importante darmos sequência no processo da denúncia, que as mulheres não se sintam desencorajadas”, aconselha.
Outro caso emblemático recente foi o da agressão do médico João Paulo Casado contra sua ex-companheira, no elevador e no carro, que terminou no afastamento dele dos cargos que ocupava. Ele está sendo processado e vai responder pelo crime de violência doméstica com punição prevista na Lei Maria da Penha. “Ele não vai ficar impune”, destaca a secretária. No caso de Belém, foi um feminicídio seguido de um suicídio. “Mas, se ele vivo estivesse, seria punido da mesma forma pelo crime de feminicídio que tem uma qualificadora no Código Penal, que amplia a pena de homicídio em até 12 anos. É muito importante as mulheres saberem que a lei é eficaz, que tem punição, que não vai ficar desse modo. É muito importante que elas iniciem o processo antes que se torne algo mais grave porque o feminicídio é o ápice da violência, mas existem várias violências antes dessa”.
A denúncia deve ser feita no princípio e, se houver um atendimento inadequado no percurso, existe a Corregedoria e a Ouvidoria do Governo da Paraíba para onde a pessoa pode levar a questão e medidas serão tomadas. “Nós precisamos fechar este cerco amparando as mulheres que denunciam, estimulando aquelas que ainda não denunciaram, mas garantindo para elas que não estão sozinhas”.
A senadora Daniella Ribeiro reforça que a orientação é que diante de qualquer tipo de violência, a mulher denuncie. “É preciso ter uma rede de assistência que faça a mulher se sentir segura para denunciar o agressor. O silêncio de muitas mulheres ou a falha na rede de proteção pode ser fatal e ter consequências desastrosas. É preciso campanhas de esclarecimentos porque a mulher pode sofrer um tipo de violência, como a psicológica e não reconheça que está sendo vítima”, enfatiza. Ela reforça que não se pode desacreditar da Lei Maria da Penha porque, desde que entrou em vigor, salvou muitas mulheres.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 26 de novembro de 2023.