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Cerca de 30 atrações passaram, no fim de semana, pelo palco do quilombo, entre forrozeiros, pontões, reisado e ciranda

Na Serra do Talhado: Festival valoriza cultura quilombola

publicado: 29/11/2022 12h01, última modificação: 29/12/2022 15h05
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Evento está no calendário da gestão estadual, que integra a política de valorização, reconhecimento e divulgação dos povos originários - Foto: Foto: José Carlos dos Anjos/Secult

tags: QUILOMBOLAS , Paraíba

por Sara Gomes*

O 2° Festival da Cultura Quilombola, realizado na Serra do Talhado, foi uma verdadeira imersão na vivência quilombola. Cerca de 30 atrações culturais passaram pelo palco do quilombo, entre forrozeiros, pontões, reisado, ciranda e outras expressões artísticas, proporcionando a mais de 4 mil visitantes a troca cultural entre as comunidades quilombolas do Cariri e Sertão paraibano.

Promovido pela Secretaria de Estado da Cultura (Secult-PB), o evento está no calendário de eventos da gestão estadual, que integra a política de valorização, reconhecimento e divulgação das culturas dos povos originários e outras etnias, como ocorreu nos festivais de cultura indígena e cigana. 

Em sua fala, o secretário de Estado de Cultura da Paraíba, Damião Ramos Cavalcanti comentou que a cultura brasileira seria amorfa sem a influência da cultura africana.

“A gente observa que várias culturas não tem a alegria, melodia e ritmo da cultura afro-brasileira. É possível distinguir os países que não tem a presença da negritude. O que seria da música norte-americana sem a influência da cultura negra? provavelmente se reduziria ao country. Certa vez perguntei ao Consulado da França o que mais gostavam na cultura brasileira? eles responderam sem titubear: a música brasileira. Ou seja, a música é a expressão do sentimento artístico que denota. Sem a influência da negritude, a cultura brasileira seria empobrecida”, frisou.

Para a secretária de Cultura de Santa Luzia, Tereza Nóbrega, os festivais de cultura quilombola, cigana e indígena são um grande encontro de irmãos e também uma oportunidade de reflexão para continuar desenvolvendo políticas sociais com o objetivo de realizar a reparação de direitos de quase 500 anos.

“O Festival representa um momento de reflexão para a população de Santa Luzia, mas é também um encontro de irmãos que tiveram realidades parecidas porque todos sofreram a negação dos seus direitos. É obrigação do poder público fazer a reparação social através de ações afirmativas que valorizem a cultura quilombola”, destacou.

A Matriarca do Quilombo Jovelina, 88 anos, ficou muito feliz porque Serra do Talhado foi o quilombo escolhido para sediar o Festival. “Fiquei muito feliz de poder testemunhar essa alegria no nosso quilombo. Além de manter viva a tradição, foi uma forma de homenagear líderes do quilombo que já partiram”, destacou.

 

Infraestrutura

Mesmo sem uma infraestrutura adequada para receber o 2º Festival de Cultura Quilombola, o secretário da Secult-PB não desistiu de realizá-lo em Serra Talhado pela simbologia que o lugar representa. A secretária relembra a sensibilidade que Damião Ramos tratou o lugar, sugerindo melhorias.

“Durante o planejamento, o secretário Damião subiu a Serra do Talhado para ouvir a comunidade e matriarca Jovelina. Mesmo percebendo que o quilombo não tinha infraestrutura, indagou a comunidade, ‘vocês querem que o Festival aconteça aqui?’ Como a resposta foi positiva, respondeu: então vamos trabalhar pra isso”, afirmou.

Para a realização do Festival de Cultura Quilombola, a Prefeitura de Santa Luzia reformou escolas no quilombo, fez terraplanagem no entorno da área, além de ter melhorado o acesso à comunidade, que fica a 18 km do centro urbano de Santa Luzia. As tendas montadas no espaço expuseram o artesanato dos quilombos, em especial, as louceiras de barro de diversas comunidades quilombolas. Os visitantes também puderam desfrutar da culinária quilombola.

A presidente da Associação Quilombola Pitombeira do município de Várzea, Zuíla Santos, veio prestigiar o 2° Festival de Cultura Quilombola.

" Eu estou achando o evento maravilhoso com diversas atrações culturais. Agradecemos ao governo do Estado por estar contribuindo para a socialização das comunidades quilombolas”, pontuou.

Localizado na zona urbana de Santa Luzia, o grupo de dança Maria Bonita existe há 12 anos. A professora e coordenadora do grupo, Simone Augusta, criou o grupo quando percebeu a necessidade de elevar a autoestima de meninas na escola. O grupo subiu ao palco do 2º Festival de Cultura Quilombola para uma apresentação que aborda a Consciência Negra.

“Através dessa dança, abordamos um pouco sobre a escravidão no Brasil, abordando elementos da herança cultural, através dos Orixás”, destacou. Atualmente 35 meninas participam do projeto, mas na apresentação oito estiveram presentes.

 

Memória Viva do filme Aruanda

Símbolo de resistência e ancestralidade, Dona Jovelina, hoje com 88 anos, foi personagem do curta-metragem ‘Aruanda’, ícone do cinema nacional, dirigido por Linduarte Noronha, que conta a origem do Quilombo Serra do Talhado, em Santa Luzia- PB.

Nascida e criada na Serra do Talhado, Dona Jovelina conta que seus pais deram estadia à equipe do filme Aruanda, durante 40 dias. “Acredito que na época eu tinha 30 anos. Mamãe e papai ofereceram hospedagem e alimentação. Depois da gravação do filme, a equipe agradeceu a receptividade e foi embora. Algum tempo depois, Linduarte voltou dizendo que o filme ficou conhecido em todo o Brasil”, disse.

A matriarca do Quilombo lembra a alegria e empolgação do diretor Linduarte Noronha. “A maior lembrança que tenho dele é a alegria quando voltava toda noite. Ele tomava banho e sentava na calçada pra contar a papai o que aconteceu no seu dia”, relembrou saudosa.

Em 2004, a Serra do Talhado foi oficialmente reconhecida como quilombo pela Fundação Cultural Palmares, instituição ligada ao Ministério da Cultura. Na avaliação de Jovelina, o curta-metragem deu visibilidade ao quilombo, ajudando no desenvolvimento do local. “Não tinha cisterna, a estrada não era asfaltada, não tinha barragem, a verba veio depois do filme”, contou.


Louceiras de Barro

A prática de fabricar objetos de barro está fortemente ligada à Serra do Talhado. O barro usado como matéria-prima é retirado de um sítio da região e seu procedimento consiste da produção da cerâmica, sendo considerada uma atividade tradicionalmente feminina, passada de geração em geração.

A comunidade urbana de Santa Luzia surgiu a partir da rural, quando as mulheres artesãs passaram a vender as peças de barro para facilitar na renda, originando a Associação de Louceiras Negras da Serra do Talhado. Atualmente 19 mulheres e dois homens trabalham na associação.

Apesar do trabalho árduo e baixo lucro obtido, a presidente da Associação Gileide Ferreira ressalta a importância de manter a tradição ensinada por sua avó Rita Preta. “Tenho orgulho de ser quilombola e de incentivar as novas gerações a aprenderem o artesanato sem deixar os estudos de lado”, destacou.

Antes, cada artesã passava cinco horas quebrando o barro manualmente, então a produção diária não rendia muito. “A gente batia com o pau e peneirava com a peneira, mas era muito cansativo”, contou Após o apoio do Projeto de Desenvolvimento Sustentável do Cariri, Seridó e Curimataú (Procase), a associação comprou uma máquina trituradora. “Antes da máquina produzíamos 20 peças por dia, hoje em dia a média é de 40 a 60 louças”, comparou.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 29 de novembro de 2022.