Uma trajetória que marcou época no jornalismo e definiu novos padrões para as gerações seguintes. Conhecido pela qualidade de seu texto e a sensibilidade com que abordava as análises políticas, o jornalista Agnaldo Almeida morreu, aos 73 anos, na madrugada do último domingo, em João Pessoa, vítima de uma septicemia. O campinense lutava contra um câncer de fígado desde 2021 e se internou no sábado de Carnaval com um quadro de aneurisma na aorta do abdômen. Agnaldo Brito Almeida deixa esposa, a jornalista Naná Garcez, diretora-presidente da Empresa Paraibana de Comunicação (EPC), além de cinco filhos, seis netos e um legado de liderança na Redação que moldou a mentalidade profissional por onde ele passou.
Com uma carreira iniciada na década de 1970, ele ocupou todas as funções da profissão, atuando como repórter, editor, redator e colunista em todas as mídias dos veículos de comunicação na Paraíba, como o impresso, o rádio, a TV e a internet. Foi secretário de Comunicação Social do Governo do Estado na gestão de Ronaldo Cunha Lima, na década de 1990 e contribuiu como presidente da Associação Paraibana de Imprensa (API) e no Sindicato dos Jornalistas.
A morte de Agnaldo foi lamentada por autoridades. Em nota, o governador João Azevêdo destacou as qualidades do jornalista que ele chamou de “amigo querido”. “Inovador e dono de um texto primoroso, liderou a redação do Jornal A União durante anos, contribuindo para a sua modernização. Aos familiares e amigos, em especial à minha amiga Naná Garcez, sua esposa, e aos seus filhos, em nome de Victor Castro, meus mais sinceros sentimentos. Que Deus conforte a todos nesse momento de dor”, publicou o gestor.
O prefeito Cícero Lucena ressaltou a amizade de ambos construída ao longo dos anos. “Para além de nossas responsabilidades e atribuições nos campos da política e da comunicação, construímos uma duradoura relação de amizade, marcada pela atenção recíproca e o respeito mútuo. Compartilhamos muitas histórias da vida política paraibana, sem que nunca fosse preciso pedir-lhe alguma correção de algo publicado, o que demonstra seu zelo e fidelidade para com a informação correta e verdadeira. E isso permanecerá firme como parte do seu legado. Vá em paz, Agui”, desejou o prefeito. Notas de pesar também foram publicadas pelo prefeito de Campina Grande Bruno Cunha Lima, além da Câmara Municipal de João Pessoa, a Assembleia Legislativa da Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa (API).
Agnaldo Almeida passou pelos jornais O Norte, Correio da Paraíba e o Estado de São Paulo, além da revista A Carta. No Jornal A União, Agnaldo foi editor-geral, estabelecendo uma forma de fazer jornalismo que demandava reflexão, rigor na apuração e na elaboração meticulosa do texto. Influenciou gerações e ofereceu orientação aos estudantes que ingressavam na carreira. Foi assim que ele conheceu Naná Garcez, com quem foi casado por 40 anos. Um amor que se acendeu primeiro pela admiração intelectual entre ambos. “Agnaldo é uma pessoa brilhante, encantadora, muito inteligente e um grande profissional. A identificação foi exatamente em função de muitas qualidades pessoais que ele tinha. Ele era uma pessoa muito culta, de muita leitura e de grande caráter. Tudo isso foram fatores que eu achei super interessante. Ao longo da vida, sempre foi um pouco disso também. Ele sempre gostou muito de ler, também sempre gostei muito de ler. Algumas diferenças até o final persistiram: sempre gostei de viajar, ele nunca gostava de viajar. Mas, do ponto de vista de diálogo e convivência, era muito fácil. Não em todos os gostos, mas tínhamos muitas identificações”.
Foi no meio da fumaça de cigarro das antigas redações com as velhas máquinas de datilografia que ele firmou amizade com um dos maiores escritores do jornalismo paraibano, Gonzaga Rodrigues, que preferiu não ir ao velório do amigo. “Não tive olhos para ver inanimado um irmão de afinidades e sentimentos que me deu tanta força nos momentos mais precisos, como Agnaldo Almeida. Filhos de lares diferentes, a vida nos juntou nessa irmandade de convivência profissional, amiga e familiar”, afirma.
“Agnaldo chegava ao Correio da Paraíba num momento em que o editor do jornal, Carlos Roberto de Oliveira, me acolhia, eu exilado do jornal O Norte, que ajudara a recuperar a partir de 1966. E nesse estado de humor pude encontrar um jovem de cabelos um tanto longos, quase vinte anos de diferença, que me fizera sentar, conversar, trabalhar e sair por aí numa passada de ânimo firme e confiável que evitei encontrar encerrado entre os lumes trêmulos de um velório. Do jornalista todos sabem. Nas Memórias que A União vem sequenciando em diálogo dominical com seus feitores, sem distinção de títulos nem de cargos, o nome de Agnaldo reúne a unanimidade de todos os entrevistados. Desde o “gestor de pessoas” da abertura de Luiz Carlos Souza à versatilidade bem-sucedida do profissional de imprensa ou da comunicação. Desde a relação com o iniciante ou com os que pensavam o jornal ao tratamento com o público, fosse leitor, ouvinte ou espectador”, complementou.
Agnaldo Almeida era um pensador da comunicação e da política e sua influência é reforçada por quem segue no mesmo batente defendido por ele. O diretor de Mídia Impressa do Jornal A União, William Costa, destaca como era a convivência com Agnaldo, visto como um ombudsman espontâneo. “Ele era uma pessoa de fácil diálogo. Sempre foi um observador crítico, mas não aquele crítico ferino. Ele é um jornalista sempre muito atencioso com relação às pessoas e ao seu tempo, sempre fazendo comentários acerca de fatos. Mas, é um cara bem humorado e muito disposto a ajudar os colegas, principalmente os mais novos. Em A União, ele tinha uma coluna muito boa, aos domingos, chamada ‘Deu no Jornal’, que eu considero um documento muito valioso que, certamente, qualquer dia esse material vai ser reunido em livro, porque precisa ser mais disseminado. Ele fazia abordagens acerca dos fatos noticiados, da forma como foi noticiado, reunindo um material muito rico”.
Considerado um artífice das letras, era a formação do caráter e da sensibilidade que distinguia Agnaldo entre os demais. Quem acompanhava seus comentários políticos tão sóbrios e sensatos na TV não podia prever suas predileções pessoais para a música e o esporte, como lembra Naná Garcez. “Ele era apaixonado por música, por Caetano, Martinho da Vila e Gilberto Gil. Gostava dos Beatles e, às vezes, até dedilhava alguma coisa no violão. Ele gostava de leitura, lia muito sobre filosofia e jornalismo. Em termos de lazer, gostava muito de ver futebol. A União tinha um time de futebol que ele chegou a jogar nesse time. Ele gostava muito de futebol”. Mesmo depois de se tornar uma expressiva referência na imprensa, era ao Jornal A União que ele creditava grande parte de formação profissional, como ele deixou claro em sua participação do programa Memórias A União. “A gente que passa por A União, passa por uma escola. E cria um caso afetivo, amoroso porque é um jornal bom de se trabalhar – já era há muito tempo e hoje é também. Quem trabalhou n’A União leva essa marca. Eu trabalhei em todos os jornais da Paraíba, mas minha marca é a marca de A União”.
Aos amigos, familiares e uma gama extensa de jornalistas resta cuidar do legado de Agnaldo como ele zelava pelos seus textos. “Defendo que ele foi um profissional íntegro, de um texto muito correto em todos os aspectos, desde a construção do pensamento, na construção da linguagem, na observação em relação aos fatos, da correção do português, e também da convivência em Redação. Por onde ele passou, não se tem relato de arrogância, ou de que ele destratava os outros. Ele tinha o conhecimento, tinha interesse em compartilhar e tinha interesse em atrair talentos. Ele não abria mão da qualidade da informação. Não abria mão das posições e não se intimidava”, conclui Naná Garcez.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 27 de fevereiro de 2024.