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Ruínas a céu aberto

Obras inacabadas “sujam” a capital

publicado: 29/04/2024 09h54, última modificação: 29/04/2024 09h54
Empreendimentos abandonados oferecem riscos sanitários e à segurança e prejudicam mercado imobiliário
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Obras em prédio no bairro da Torre pararam há cerca de 10 anos | Fotos: Evandro Pereira
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Estrutura está bastante enferrujada; construção já teria sido abrigo para criminosos
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por Emerson da Cunha*

Em contraponto com as belezas naturais de João Pessoa, “esqueletos” de prédios e obras abandonadas ou inacabadas chamam a atenção de quem vive e se desloca na cidade. Além do dinheiro jogado fora, tanto das próprias construtoras como de compradores, as ruínas a céu aberto colocam em risco a vida das pessoas por causa da iminência de queda, pela falta de segurança e pelos focos de animais e insetos.

Gibran Lobo tem uma casa e um empreendimento comercial localizados em frente a uma obra abandonada na Rua Enfermeira Ednalva dos Santos Oliveira, entre os bairros de Mangabeira e Jardim Cidade Universitária, na zona sul da cidade. Além das paredes em risco de queda, com infiltrações e lodo, há um guincho pendurado na parte de cima da construção e ainda um buraco em torno de 10 metros, uma área de subsolo em que seria construída a garagem.

“Tem muito rato, metralha e, com certeza, muito escorpião e dengue também. Quando chove, dá muita água parada. Temos insegurança também devido à falta de manutenção. Uma obra inacabada na rua, quer queira, quer não, prejudica. Fica algo feio, há muitos anos parado. Se isso aqui estivesse pronto, deixaria a área mais movimentada, chamaria atenção para o local. Nessa situação, fica ruim para a gente também”, reclama.

Tem muito rato, metralha e, com certeza, escorpião e dengue também. Fica ruim para a gente   --   Gibran Lobo

No bairro dos Bancários, próximo à região conhecida como “Três Ruas”, mora Emanuel Brasil, que tem residência ao lado de outro prédio abandonado. O empreendimento tem cerca de quatro andares construídos, mas não finalizados. Há mais de 10 anos, moradores da área convivem com os riscos de desabamento, invasões e questões de saúde pública. “Já teve invasão no prédio. Quanto à questão de saúde, tem rolado muito caso de dengue. Lá em cima do prédio, tinham duas piscinas que eu tive que mandar vazar, fazendo buraco em todas as lajes. Isso aqui era nuvem de mosquito da dengue. Eu nunca vi uma autoridade aqui, seja quem for, tomar providência. Eu que mando capinar o terreno todo. Acho que tem que haver uma legislação, passou o tempo de haver uma decisão. Ou coloca a bola pra frente ou promove a demolição”, sugere Emanuel Brasil.

Outra obra que não avança é a de um prédio na esquina da Rua Clemente Rosas com a Quintino Bocaiúva, no bairro da Torre. Uma das moradoras do entorno, que preferiu não se identificar, relatou que a construção do imóvel está parada há cerca de 10 anos. “Eu acho que o prédio corre o risco de arriar. Se você der uma volta por ali, você vê que a armação está toda arrebentada, toda enferrujada. É o risco que tem. Nós nunca tivemos problema com relação a animais, insetos, mas com ladrões, sim, várias vezes. Até cercaram, colocaram uma placa de alumínio, porque estavam roubando o material de ferro que fica em cima”, relata a moradora.

Riscos iminentes

O arquiteto, urbanista e representante da Paraíba no Conselho Federal de Arquitetos e Urbanistas do Brasil, Giovanni Alencar, explica que as obras de prédios abandonadas trazem risco à população porque estão com estrutura vulnerável a temporais, podendo causar acidentes. O problema é mais grave quando se trata de edifícios com maior altura. Isso porque objetos e materiais da obra podem vir a cair por meio da força do vento, atingindo, por exemplos, casas vizinhas, carros e pedestres.

Ele atenta também para outros perigos. “Com o aumento das desigualdades sociais e consumo de drogas, esses prédios servem de refúgio para a prática de ilícitos, esconderijo para criminosos e até prática de homicídios. No que diz respeito à questão estética, essas edificações enfeiam a cidade e geram efetivamente o ar de abandono não somente da própria edificação, como também do entorno, causando mais insegurança nesses locais. A falta de uso afasta a possibilidade da covigilância desses lugares por parte da população”, alerta Giovanni Alencar.

Já o corretor de imóveis Wagner Travassos explica que a presença de obras abandonadas no entorno pode afetar a potencialidade de venda e de aluguel dos imóveis no arredor ou no bairro.

“Essa obra passa uma imagem de desconfiança para clientes, investidores e para quem está visitando, levanta a orelha de quem está comprando. Não chega a influenciar muito mais o valor do imóvel, como antigamente, porque hoje João Pessoa deixou de ser um patinho feio e está na ‘crista da onda’. Mas ainda interfere na confiança e no interesse das pessoas”, avalia o profissional.

Entidades apuram causas do problema e tentam evitar danos

A assessoria da Secretaria de Planejamento de João Pessoa (Seplan) explicou que é possível, dentre esses casos, que as obras estejam paradas por terem sofrido algum tipo de embargo da prefeitura. Nesses casos, a atuação de fiscalização da secretaria pode ocorrer por demanda, a partir de denúncias, ou de forma proativa, em casos com mais visibilidade e repercussão na cidade, em que o órgão pode agir por conta própria.

Embargos não respeitados pelas construtoras tornam-se processos de interdição, que, se desprezados, deixam de ser um ato administrativo e seguem para o trâmite judicial, por meio da Defensoria Pública do Município.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 29 de abril de 2024.

A Seplan elabora uma listagem de obras embargadas pela prefeitura para posterior publicização no Portal da Transparência, seguindo recomendação do Ministério Público de Contas do Estado. Até o fechamento da edição, o setor de fiscalização da pasta não informou quais os critérios que podem levar uma obra a ser embargada.

 Como denunciar

Caso haja algum risco iminente ou perigo para moradores de áreas próximas a uma obra inacaba, a Defesa Civil pode ser acionada. Assim como a Seplan, o órgão também pode atuar por iniciativa própria, caso verifique riscos de desabamento ou queda de materiais.

A Defesa Civil é responsável por vistoriar o local. Quando algum perigo é encontrado, a Seplan é acionada, e os responsáveis — normalmente, construtores ou donos dos terrenos — são notificados para mitigar os riscos.

Em caso de focos de mosquitos ou mato crescido, pode-se acionar a Autarquia Especial Municipal de Limpeza Urbana (Emlur). Já diante da suspeita de atuação de criminosos, a recomendação é acionar a Polícia Militar.