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Maquiagem

Uso precoce pode trazer prejuízos

publicado: 29/04/2024 09h32, última modificação: 29/04/2024 09h32
Idade mínima para a criança poder se maquiar é três anos, mas só de forma pontual. Ideal é protelar esse hábito
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Com a agenda dividida entre a escola, os afazeres de blogueira, miss e atriz, Júlia Ferreira, 10 anos, não dispensa a maquiagem, até para assistir às aulas no colégio | Foto: Ortilo Antônio

por João Pedro Ramalho*

Primeiro, ela passa o protetor solar. Depois, começa a se maquiar: com batom, brilho, sombra e rímel, todos de linhas infantis. A menina de 10 anos está pronta para ir à escola, em Bayeux. Essa é a rotina de Júlia Ferreira, modelo, atriz e blogueira, moradora de Santa Rita e atual Miss Sulamérica Paraíba.Segundo sua mãe, a trabalhadora autônoma Josenilda Ferreira, a filha sempre foi vaidosa, tendo iniciado a prática da automaquiagem no ano passado.

No dia a dia, é ela quem decide o que vai usar no rosto, inclusive as cores. “Eu gosto de dourado. E, às vezes, eu boto rosa ou outras cores que combinam com a roupa”, explica Julinha, como é conhecida profissionalmente.

Sempre digo aos pais: é preciso monitorar e conversar, para que a gente descubra o que está por trás desses hábitos
- Mércia Silveira

A prática cotidiana da maquiagem em crianças, contudo, não é recomendada por especialistas. De acordo com a dermatologista Esther Bastos Palitot, a aplicação constante desses produtos pode colocar em risco a saúde da pele infantil, com uma chance maior do desenvolvimento de processos alérgicos. “Um problema que pode ocorrer é a dermatite, que é bem individual e específica de cada pessoa. Crianças, de um modo geral, não devem usar maquiagem diariamente, especialmente as meninas que têm sensibilidade ou um problema de alergia. E, mesmo as que não têm agora, o produto pode causar sensibilidade até na vida adulta”, alerta.

A dermatite é caracterizada pela inflamação da pele, com sintomas como bolhas, descamação e coceira. Esther Palitot explica que o uso diário da maquiagem pode tanto provocar a dermatite de contato, após a aplicação de um produto específico para o qual a pessoa tenha maior sensibilidade, como agravar um quadro pré-existente de dermatite atópica, uma forma crônica da doença.

Para a dermatologista, três anos é a idade mínima com que a criança pode ser maquiada, mas de forma pontual. Apesar desse limite etário, Esther recomenda retardar a introdução ao hábito. Ela também relata que a procura em seu consultório, por pais interessados em dicas sobre cuidados com a maquiagem, se intensifica com a aproximação de eventos comemorativos, como Carnaval e festas escolares.

Crianças, de um modo geral, não devem usar maquiagem diariamente, especialmente as meninas que têm sensibilidade ou um problema de alergia
- Esther Palitot

Diferentemente do que recomendam a especialista e os cursos preparatórios para modelos infantis, entretanto, JosenildaFerreira ainda não levou sua filha a um dermatologista. Na busca por evitar futuros problemas com a pele saudável de Julinha, a trabalhadora autônoma tem restringido o uso de produtos mais pesados, como base e corretivo, apenas em trabalhos para as redes sociais e concursos de beleza. Nessas ocasiões, os responsáveis pelo manuseio dos produtos que enfeitamseu rosto são os maquiadores profissionais. Em eventos assim, aliás, a menina já tem outras conquistas: em 2023, venceu o concurso de Miss Bayeux Infantil, Princesa Fashion Day Paraíba e o Miss Continente Nordeste Infantil.

A rotina de cuidados de Julinha inclui ainda a limpeza da pele com demaquilante e sabonete. E, apesar dos compromissos profissionais, muitas vezes exigentes como os de um adulto, a família busca preservar a imagem da filha como a menina que ela é.  “No Instagram, a gente procura fazer tudo como criança, por mais que ela seja miss. Ela é o nosso bem mais precioso, o nosso xodó. Então, a gente tem todo cuidado, para não terminar metendo os pés pelas mãos e ela não perder a infância dela”, explica Josenilda.

Pais devem atentar caso haja busca por um “padrão de beleza”

Além da atenção com a saúde da pele, o uso de maquiagem também demanda o cuidado com a mente. Isso porque tal hábito pode estar, muitas vezes, relacionado à maneira como a criança forma a imagem de seu próprio corpo. A psicóloga Mércia Silveira esclarece que muitas meninas, especialmente na pré-adolescência, começam a se maquiar em busca da adequação a um padrão de beleza socialmente aceito.

“O que acontece, entre as garotas de 10 a 12 anos, é que a sociedade tem espelhado para elas que ser bonita é estar maquiada. E não é a maquiagem pela maquiagem, mas a busca da perfeição. As meninas, nessa faixa de idade, já começam a ter a transformação do corpo, as espinhas, e, nessa era das mídias sociais, elas não querem que isso fique nas postagens. Elas não querem ficar vulneráveis, apresentando o rosto imperfeito”, afirma.

Em meio à procura por um ideal de beleza, afirma Mércia Silveira, o uso desses cosméticos pode ser positivo, desde que a criança não adoeça nem tenha seu desenvolvimento prejudicado. Nesse sentido, a especialista em saúde mental alerta para a necessidade do acompanhamento constante pelos familiares. “Sempre digo aos pais: é preciso monitorar e conversar, para que a gente descubra o que está por trás desses hábitos.A conquista da confiança, para entender o momento da vida que a criança está passando, sempre vai ser uma alternativa para que ela possa usar a maquiagem de uma forma segura, sem que tenha futuros problemas dermatológicos e, consequentemente, de autoconfiança”, adverte.

Para meninas ainda mais novas, entretanto, a psicóloga defende a busca por hábitos que não envolvam o uso dos cosméticos de beleza. “A criança de três a cinco anos não tem percepção de escolha. Nesse caso, o caminho é a proibição. A estratégia é ocupar a mente dela com outras coisas e explicar que a mãe se maquia porque faz parte da vida adulta, mas que o momento da menina não é de maquiagem”, orienta Mércia.

Skincare

Outro hábito relacionado à pele que tem se tornado mais comum entre o público infantil é o skincare. A prática consiste no uso rotineiro de dermocosméticos, como cremes, géis e máscaras, com funções de limpeza, esfoliantes, hidratantes, entre outros. Para a dermatologista Esther Palitot, porém, as crianças não necessitam de um ritual tão extenso de cuidados, sendo o protetor solar e o sabonete infantil neutro os únicos produtos recomendados.

Segundo Esther, apesar dessa orientação, há a possibilidade de que outros itens sejam necessários para o tratamento da pele, contanto que haja recomendação de um profissional. “O usode diversos produtos, além do protetor e do sabonete, pode ser individualizado após a consulta com dermatologista. O que se deve evitar é uma rotina de muitos produtos, sem orientação adequada”, alerta Esther.

Saiba Mais
Durante a compra dos produtos de maquiagem, especialistas alertam que é necessário conferir a data de validade e se eles fazem parte de uma linha desenvolvida para o público infantil. “Outra recomendação é olhar se a maquiagem tem a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e, de preferência, deve-se escolher um produto que seja facilmente removido com água e sabonete. Não recomendamos o uso de maquiagem com longa fixação, maquiagens de adultos nem de brinquedo”, aconselha a dermatologista Esther Palitot.

A precaução com a saúde da pele deve seguir na adolescência, especialmente porque a puberdade interfere no funcionamento do maior órgão do corpo. Esther também considera arriscado o uso constante, tanto da maquiagem como dos produtos de skincare, nessa fase da vida. “Na adolescência, orienta-se procurar o dermatologista. E alguns tipos de maquiagem podem contribuir para a obstrução dos poros e até para uma piora da acne. Então, se começar a aparecer a acne, o dermatologista vai examinar e, de acordo com o perfil do paciente, passar os produtos necessários para o controle do problema”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 28 de abril de 2024