A cada 10 min, um adolescente de 10 a 19 anos é atendido no Brasil por violência autoprovocada ou tentativa de suicídio. O dado faz parte de um levantamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), baseado no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), que reúne registros feitos pela rede de atenção à saúde, por escolas e centros de assistência social. Na Paraíba, o cenário não é diferente: foram 1.554 notificações só nos últimos dois anos, o que equivale a uma média de dois casos por dia. Entretanto, o caso é ainda mais sério, tendo em vista que esses números revelam apenas parte dessa dura realidade, já que muitos episódios não chegam a ser notificados oficialmente.
Mais do que estatísticas, cada notificação carrega um pedido silencioso de ajuda. Quem faz essa observação é o pediatra Vitor Hugo Simões, reforçando o papel da família e dos próprios médicos na prevenção. “Acredito que a função do pediatra, principalmente nesse momento, é servir de apoio para que a criança consiga sair desse processo”, observa.
Para o especialista, a atenção diária de quem convive diretamente com esses jovens é crucial para evitar desfechos trágicos, mesmo sabendo que os primeiros sinais nem sempre são fáceis de perceber. Mudanças bruscas de comportamento, abandono de atividades que antes eram prazerosas, alterações no sono e nos hábitos alimentares, além do próprio isolamento, podem ser indícios de que algo não vai bem. Marcas físicas, como cortes e queimaduras, que, muitas vezes, só são notadas durante exames clínicos, também são reveladoras. “Esse tipo de autoagressão, na maioria das vezes, é uma forma que a criança encontra para minimizar emoções negativas, como ansiedade e medo, ou se punir”, explica.
No consultório, alguns instrumentos ajudam na triagem dos casos, a exemplo dos questionários de humor que são aplicados, tanto aos adolescentes quanto aos pais. A partir desse diagnóstico, é possível entender as diferentes percepções sobre o que está acontecendo e intervir o mais cedo possível. Além disso, o acompanhamento contínuo por parte do pediatra cria um vínculo com o paciente que facilita a detecção de sinais, contribuindo para acelerar o tratamento.
Nos casos de risco de suicídio, não há espaço para hesitação, o adolescente precisa ser encaminhado com urgência a um acompanhamento multidisciplinar, envolvendo pediatras, psicólogos e psiquiatras. “Procurar ajuda de profissionais capacitados é ideal. Também é importante nunca deixar essa criança sozinha, muito menos objetos perigosos à sua disposição”, orienta Vitor Hugo.
Transtornos psíquicos
Em entrevista à Rádio Tabajara, o médico acrescenta que a autoagressão pode ter naturezas distintas. Em alguns casos, o adolescente não deseja pôr fim à própria vida, mas busca aliviar emoções negativas por meio da dor física. Há outras situações nas quais a violência autoprovocada carrega a ideação suicida, o que torna o quadro ainda mais grave. Por isso, o importante é soar o alerta antes que a crise se aprofunde.
De acordo com Vitor Hugo, os fatores que levam a esses episódios são diversos, mas quase sempre estão ligados a transtornos psíquicos comuns na adolescência, como depressão, baixa autoestima e isolamento social.
Embora as causas que levam o paciente a desenvolver esses transtornos sejam multifatoriais, ou seja, não exista um único motivo para explicar a autoagressão, o peso que o ambiente digital exerce sobre esses jovens é inegável.
Vitor Hugo lembra que, muitas vezes, antes de se autoagredir, os jovens passam semanas consumindo, nas redes sociais, conteúdos sobre o tema, o que torna fundamental a vigilância. “Se a criança tem acesso à tela, que seja em locais onde os pais possam acompanhá-la. Nunca isoladamente. É preciso acompanhar de perto e definir horários”, orienta o pediatra. Além disso, mais do que impor regras, os pais devem manter um diálogo aberto com os filhos, construindo no dia a dia uma relação de confiança que faça esse jovem não se sentir sozinho. “Os pais precisam estar mais presentes”, finaliza. Como reforça o pediatra, a prevenção nasce, justamente, da combinação entre proximidade, escuta e presença.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 03 de Outubro de 2025.