por Juliana Cavalcanti*
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública, com pedido liminar, para remover dezenas de ocupações irregulares (residências, bares, barracas e similares) em áreas da União e de dunas, restinga e margem de rio, consideradas áreas de proteção permanente (APP), nas praias do Seixas e Penha, em João Pessoa. O órgão solicitou que a União, Prefeitura da capital e Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema) apresentem, em 30 dias, projeto conjunto para solucionar a questão.
No pedido de tutela de urgência (liminar), o MPF requer que União, Estado da Paraíba, Município de João Pessoa e a Sudema também executem na sequência e nos prazos determinados a identificação e retirada das ocupações irregulares e a inclusão das pessoas vulneráveis atingidas em programas sociais de habitação e empreendedorismo.
De acordo com a assessoria de comunicação do Ministério Público Federal na Paraíba, com a ação judicial, o MPF quer uma solução viável para o meio ambiente, a paisagem natural e o livre acesso da população ao bem público (praia e mar).
“A atual ação apenas foi ajuizada após esgotadas tentativas extrajudiciais, pois o órgão tenta desde 2006 a solução consensual para a problemática. O plano de ação solicitado na ação civil pública é também para dimensionar quantas construções teriam que sair, fazendo vários tipos de levantamentos”, aponta nota divulgada pelo MPF.
Com isso, as barracas instaladas à beira-mar das praias do Seixas e da Penha podem ser removidas. No entanto, os moradores e comerciantes dessas áreas defendem que a situação de cada comerciante e habitante precisa ser avaliada e deve valer para os pequenos e grandes empresários.
Conforme a presidente da Associação dos Moradores e Moradoras, Bares e Restaurantes da Praia dos Seixas, Maria do Socorro dos Santos, um antigo projeto para a região e várias outras documentações foram encaminhadas para a Prefeitura de João Pessoa. A proposta descreve que o espaço da Praça Sol Nascente seria ocupado pelas barracas e, inclusive, já foi desapropriado para isso.
São mais de 20 barracas que conforme a proposta do Projeto Urbanização da Praia dos Seixas seriam instaladas em uma parte desta praça e outra na rua. Com isso, a ocupação das areias deixaria de existir. Essa iniciativa, segundo a moradora é dos anos 1990 e foi recusada pela associação na sua forma original, aceitando apenas as ocupações na praça e sem utilizar as passagens na rua.
“É um projeto da prefeitura aprovado. Eu venho ao longo desses anos trabalhando, mostrando ao Ministério Público que as pessoas que estão aqui têm o direito e a prefeitura tem o poder e o dever de mantê-las na praça. É preciso verificar ainda que têm pessoas que não estão registradas na associação e na prefeitura para resolver a situação de todos”, argumentou Maria do Socorro.
Ela acrescenta que cópias da proposta já foram encaminhadas para a Secretaria de Infraestrutura (Seinfra) e a Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedurb), para que não mudem as pessoas da praia para outro local que não seja a praça. “Tivemos uma reunião com o secretário de Infraestrutura e o chefe de gabinete do prefeito e me pediram o projeto. Me informaram que ele foi entregue a alguns arquitetos que até agora não me procuraram”, informou.
Comerciantes defendem adequação
Para a presidente Maria do Socorro dos Santos, essa é uma questão muito difícil, pois existem muitas irregularidades no meio ambiente cometidas não apenas pela população mais pobre, mas pelos grandes proprietários do local. “O Ministério público está irredutível. Muitos pequenos comerciantes preservam e mantêm as áreas mesmo sem conhecimento. Só que o órgão antes de mandar retirar casas, barracas e bares, poderia examinar o local”, comentou.
Ela mora junto a uma barreira na Praia dos Seixas há 31 anos, onde também tem um bar e afirma que não irá sair do espaço sem que a prefeitura ou o MPF cheguem a um acordo que traga segurança jurídica aos trabalhadores locais. “Já pediram muitas vezes para eu sair. Inclusive, agora irei responder por crime ambiental, assim como outros que não aceitaram sair. Estamos aqui antes de 1988 e apenas em 1998 veio a Lei de Crimes Ambientais. Se estávamos aqui antes, não existe crime, existe adequação a ser feita”, afirma.
As associações dos comerciantes do Seixas e da Praia da Penha defendem que seja feita a adequação das pessoas e empreendimentos que estão instalados no local. “Para manter as normas de preservação e ter uma praia natural não precisa expulsar as pessoas, mas organizar todas elas. Porém, a segurança jurídica só existe para quem tem dinheiro”, criticou Maria do Socorro.
No entanto, o morador do Seixas, Heli Pontes lembra que o problema precisa ser analisado de forma detalhada, pois existem diferenças entre os barraqueiros, as pessoas que invadiram as região para morar e os habitantes dos loteamentos com escrituras de compra e venda dos seus imóveis.
Ele trabalha com passeios turísticos, mora no local há mais de 10 anos e já está na justiça para saber qual a solução para o seu caso e o de seus vizinhos. “Se me pedirem para sair devido a um projeto para o bem-estar e melhoria da coletividade, eu sairei sem problema. Mas, não vão derrubar minha casa, como se tivéssemos invadido, precisamos ser indenizados, pois investimos tudo o que temos em nossas casas”, observou.
Suspensão de emissão de alvarás
Na ação, o MPF pede que órgãos deixem de emitir alvarás, autorizações, licenças ou congêneres para instalação, construção, reconstrução, reforma ou funcionamento de quaisquer tipos de ocupações ao longo da faixa de areia das duas praias, nos terrenos de marinha e acrescidos, bem como em áreas de preservação permanente.
O órgão requer ainda que adotem medidas destinadas a paralisar eventuais obras de construção e reconstrução de barracas de praia e demais construções já iniciadas, ou que porventura venham a ser irregularmente iniciadas no curso desta ação, em toda a extensão da orla marítima, diretamente ou por terceiros, em desconformidade com a legislação ambiental, com as normas de uso e ordenação do solo e de tutela do patrimônio público federal.
Também é solicitado que as três esferas do poder divulguem, por meio de placas em locais visíveis com, no máximo, 100 metros entre elas, a natureza pública das praias e a restrição do seu uso e destinação, além de indicar eventual restrição de área de preservação permanente. Também requer que realizem à fiscalização ao menos a cada três meses, e promovam atos administrativos e judiciais para impedir novas ocupações, construções ou obras irregulares no local, além da expansão das já existentes.
O MPF solicitou aplicação de multa de um salário mínimo por dia de descumprimento e por medida descumprida ou prazo. Caso demonstrada a impossibilidade física ou técnica de promover a recuperação integral do meio ambiente degradado (danos ambientais irrecuperáveis), sejam tomadas medidas compensatórias ambientais e indenização relativa aos danos, bem como garantia do livre e franco acesso da população à praia e ao mar.
Também foi solicitada a intimação do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A intimação do Iphan, para atuar como parte interessada, se deve ao fato de que parte das ocupações estarem inseridas em patrimônio tombado na esfera federal.
De acordo com a assessoria de imprensa da Sedurb-JP, essa questão está sendo conduzida pelo MPF e ainda não podem dar maiores detalhes do assunto. Já a Seinfra foi procurada pela reportagem do Jornal A União e até o fechamento desta matéria nenhuma reposta foi obtida.
Ações anteriores
Segundo a presidente da Associação de Moradores e Barraqueiros dos Seixas, essa situação com o Ministério Público existe desde 2006 e desde aquela época os donos das barracas à beira-mar concordaram, mas que eles não perdessem o direito ao trabalho. Por isso, há mais de 10 anos contestam a retirada proposta pelo MPF.
“Eu não concordo com o desmantelamento das barracas, mas que elas sejam renovadas, pois é obrigação da prefeitura manter o direito autônomo do trabalhador. Aqui é patrimônio da União, Marinha, mas o domínio é da prefeitura. Desde os anos 1990, a gente vem contestando dentro do que diz a lei de preservação”, ressaltou Maria do Socorro.
Conforme a assessoria do MPF, o órgão ingressou com ação civil pública contra a Associação dos Fiscais de Rendas e dos Agentes Fiscais do Estado da Paraíba (Afrafep) e a Associação Atlética Banco do Brasil (AABB), ambas na Penha, para remover todas as construções irregulares mantidas em área de preservação permanente (margem do Rio Cabelo), a reparação da área degradada e o pagamento de indenização por danos morais e materiais ao meio ambiente e à coletividade.
Legislação
As ocupações irregulares em áreas de praia ferem a Constituição Federal e a Lei do Gerenciamento Costeiro (Lei 7.661/1988) o qual afirma: “A nenhuma pessoa se faculta, ao arrepio da lei e da Administração, ocupar ou aproveitar praia de modo a se assenhorear, com finalidade comercial ou não, de espaço, benefícios ou poderes inerentes ao uso comum do povo. Livre acesso significa inexistência de obstáculos, construções ou estruturas artificiais de qualquer tipo”.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 8 de junho de 2022