Denunciado por intolerância religiosa, devido a comentários envolvendo a morte da cantora Preta Gil e religiões de matriz africana, o padre Danilo César, da cidade de Areial, no Agreste paraibano, não será indiciado. Depois de concluir o inquérito instaurado para apurar o caso, a Polícia Civil da Paraíba (PCPB) considerou que a conduta do pároco não é tipificada pela lei. Em nota, entidades religiosas do estado manifestaram-se sobre a decisão, indicando que buscarão outros meios legais cabíveis contra o sacerdote.
Segundo informações da PCPB, ao término das investigações, com a oitiva de diversas testemunhas, a autoridade policial entendeu que as atitudes do padre Danilo foram atípicas, ou seja, não se enquadram como crime. O caso em questão ocorreu no dia 27 de julho, durante a homilia de uma missa celebrada pelo pároco, quando ele citou Preta Gil, que tratava um câncer colorretal e havia falecido uma semana antes. No discurso, o padre fez alusão à fé da artista e de sua família em religiões de matriz africana, apontando que o pai de Preta, o músico Gilberto Gil, havia orado aos orixás pela filha. “Cadê o poder desses orixás, que não ressuscitaram Preta Gil?”, disse o sacerdote.
O padre ainda declarou que há fiéis católicos que buscam, em suas palavras, “essas coisas ocultas” e que desejava que, nesses casos, “o diabo viesse e [os] levasse”. A missa foi transmitida ao vivo pelo canal da Paróquia de São José, em Areial, no YouTube. Após a grande repercussão gerada nas redes sociais, contudo, o vídeo foi retirado do ar. Na ocasião, a Associação Cultural de Umbanda, Candomblé e Jurema Mãe Anália Maria De Sousa, atuante na região, fez o primeiro Boletim de Ocorrência (B.O.) sobre o caso, alegando intolerância religiosa. Posteriormente, outros dois boletins foram registrados pelo mesmo fato, adicionados ao mesmo inquérito policial concluído nesta semana.
O próprio Gilberto Gil moveu um processo por danos morais contra o padre Danilo e a Paróquia de São José, cobrando uma indenização de R$ 370 mil. De acordo com o documento, os advogados da família de Preta Gil argumentam que a fixação desse valor é baseada na interpretação de que a conduta do pároco foi grave e configura-se em crimes como intolerância religiosa, racismo religioso, injúria e ultraje religioso.
O jornal A União entrou em contato com a delegada Socorro Silva, responsável pelas apurações do caso, para comentar a conclusão do inquérito, mas ela se recusou a falar. A Diocese de Campina Grande, à qual a Paróquia de São José está vinculada, também foi procurada, mas não respondeu à equipe de reportagem.
Entidades informam que acionarão outros órgãos
Após a decisão pelo não indiciamento do padre Danilo, por parte da Polícia Civil, a associação que primeiro denunciou o pároco emitiu uma nota conjunta, também assinada por outras entidades religiosas, defendendo que a liberdade religiosa, de culto e de crença, no Brasil, é um direito fundamental e que falas como as que foram proferidas pelo sacerdote “ridicularizam, diminuem e desrespeitam as religiões atingidas e os seus fiéis”. De acordo com as entidades, o que ocorreu durante a homilia de 27 de julho extrapola os limites da liberdade religiosa exercida pelo padre e ofende os “valores e princípios que permeiam a liberdade de crença, reforçando preconceitos históricos e estimulando a discriminação, que atinge profundamente a dignidade dos adeptos das religiões de matriz africana”.
O texto da nota pontua, ainda, que os atos do líder católico, pelo entendimento dessas entidades, configuram-se como crime de intolerância religiosa, conforme o artigo 20 da Lei no 7.716/89. “Além disso, o artigo 20-C da mesma lei dispõe que o juíz deve considerar como conduta discriminatória ‘qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência’”, continua a nota.
“Ressaltamos o nosso compromisso com a busca por justiça e o combate à intolerância religiosa, o que buscaremos por todos os meios legais cabíveis, de acordo com devido processo legal. Não podemos admitir, em um estado democrático de direito, que condutas discriminatórias sejam tratadas como direitos”, conclui a nota, divulgando que as entidades acionarão outros órgãos sobre o caso, como o Ministério Público.
Além da Associação Cultural de Umbanda, Candomblé e Jurema Mãe Anália Maria De Sousa, assinam o texto o Centro de Estudos Bíblicos — Regional da Borborema; o Projeto Vozes Ancestrais: Raízes e Gira; e a Federação Independente de Cultos Afro-Brasileiros do Estado da Paraíba.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 12 de novembro de 2025.