Pelo terceiro ano consecutivo, os povos originários da Paraíba se reuniram para celebrar, em conjunto, suas tradições e seus costumes. Promovido pelo Governo do Estado, a partir de uma parceria entre a Secretaria da Cultura (Secult-PB) e a Secretaria da Mulher e da Diversidade Humana (Sedh-PB), o 3o Festival da Cultura Indígena aconteceu no município de Marcação, Litoral Norte paraibano, durante o último sábado (19).
Comunidades potiguara e tabajara marcaram presença no evento, sediado na aldeia Jacaré de São Domingos, participando de atividades culturais que buscaram divulgar e enaltecer a história de luta e de resistência pelos direitos indígenas. Entre as atrações da programação, foram realizadas feiras de artesanato e de culinária indígena, além de ações de pintura corporal, música e dança.
Uma das grandes novidades para a edição deste ano da iniciativa é que, pela primeira vez, a organização do festival ficou sob a responsabilidade dos próprios indígenas, por meio de uma parceria firmada pelo Governo da Paraíba com a Associação dos Caciques da Paraíba, entidade que se encarregou da gestão do evento.
O secretário de Estado da Cultura, Pedro Santos, defendeu a mudança na administração do festival. “É uma forma de os recursos circularem nas próprias comunidades, nas aldeias e nos negócios tocados por um movimento indígena cada vez mais forte, articulado e organizado”, destacou.
Lídia Moura, secretária de Estado da Mulher e da Diversidade Humana, por sua vez, lembrou que, no passado, chegaram a existir mais de 15 identidades indígenas na Paraíba, enquanto, atualmente, restaram apenas duas delas no estado. “Veja só o que não perdemos ao longo da história!”, lamentou Lídia. “A Paraíba é território indígena, porque foram esses povos que formaram a Paraíba”, enfatizou a secretária.
Para o cacique Carlos, liderança potiguara da aldeia Jacaré de São Domingos e anfitrião do 3o Festival da Cultura Indígena, encontros desse tipo são fundamentais para a causa dos povos originários. “É nossa função manter viva a cultura e a tradição de nosso povo, manter forte a nossa luta”, frisou. Já segundo o cacique Ednaldo, representante do povo tabajara, o evento representou um momento histórico, por recuperar identidades étnicas que, ao longo do tempo, foram silenciadas e contribuir para um contexto de maior conscientização sobre seus direitos e responsabilidades. “Nossa luta se resume a duas palavras: respeito e resistência”, definiu a liderança tabajara.
Povos reafirmam identidade por meio da arte
A expressão artística das comunidades indígenas foi um dos grandes destaques da programação do festival. Na agenda musical, por exemplo, mais de 20 apresentações foram realizadas, por diferentes aldeias do estado, com cachê remunerado pela Secult-PB.
Artistas de várias outras formas de arte tradicionais também puderam expor seus talentos e técnicas para o público visitante. Entre eles, estava Iapoã Potiguara, de 42 anos, que trabalha com a pintura corporal — tradição repassada, há gerações, por meio da convivência e dos ensinamentos dos anciãos. De acordo com Iapoã, a tinta utilizada é derivada do jenipapo e do urucum — frutos nativos que produzem, respectivamente, pigmentações nas cores preta e vermelha —, sendo que cada símbolo pintado durante o processo remete a um significado específico, vinculado à identidade e à história dos indígenas. “As pinturas dialogam com as nossas tradições. Falam de territorialidade, coletividade, união, ancestralidade, força dos povos indígenas”, explicou o artista.
Oriundo da aldeia Ibiquara, o artesão Maurílio de Almeida, de 25 anos, observou que, para além da importância financeira do artesanato para essas comunidades, seu sentido simbólico é, de fato, ainda mais relevante e potente. “O artesanato indígena é uma forma de resistência, de preservarmos os nossos valores, as nossas riquezas. Estamos colocando, em cada peça, um pouco de nossa identidade indígena. Então não é apenas artesanato, é também resistência”, pontuou.
A jovem Vitória Cauanny, de apenas 16 anos, é outra artesã satisfeita com o evento do último sábado. Além de beiju e pé de moleque, ela ainda aproveitou a ocasião para comercializar os cestos de palha que confeccionou na aldeia São Francisco, dizendo-se muito feliz com a experiência de vender, pela primeira vez, suas próprias obras em um Festival de Cultura Indígena.
Por sua vez, o professor Ezequiel Maria, da aldeia São Miguel, lembrou que o fortalecimento da resistência dos povos originários também passa pelo estudo das línguas indígenas. “A língua de um povo é a sua identidade. É um marco de resistência”, ressaltou Ezequiel, que leciona a língua tupi-potiguara para sua própria comunidade, os potiguaras.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 22 de outubro de 2024.