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SEGURANÇA VIÁRIA

Prática ilegal persiste nas estradas

publicado: 09/12/2025 09h14, última modificação: 09/12/2025 09h14
Rodovias registram quase 500 casos de transporte de passageiros em compartimentos de carga neste ano
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Além das penalidades previstas no CTB, PRF e especialistas alertam para riscos como ejeção, intoxicação por monóxido de carbono e falta de ventilação | Foto: Carlos Rodrigo

por Nalim Tavares*

O transporte de passageiros em compartimentos de carga — conduta ilegal que se caracteriza como infração gravíssima de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), dado o elevado risco de morte associado à prática — ainda é uma ocorrência comum nas rodovias federais. Somente em João Pessoa, 331 casos foram registrados de janeiro a novembro deste ano. No mesmo período de 2024, foram notificadas 366 ocorrências do tipo. Os dados foram fornecidos pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran) e incluem multas lavradas, também, pelo Batalhão de Trânsito da Polícia Militar do Estado da Paraíba (BPtran) e Departamento de Estradas de Rodagem do Estado da Paraíba (DER).

Esses números ganham mais impacto quando somados aos índices do sistema da Polícia Rodoviária Federal (PRF) que registraram, em 2025, 161 casos de veículos transportando passageiros em compartimento de carga na capital do estado.  Em 2024, somente no intervalo de agosto a dezembro, foram 71 ocorrências. Unindo os dados do Detran e da PRF, são 492 casos até o momento de 2025, e 437 em 2024.

O agente da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Francimuller Nascimento, responsável pelo Núcleo de Comunicação da instituição, relata que a prática, popular nos anos de 1980 e 1990, era tolerada nas décadas passadas, porém, a falta de segurança desse tipo de transporte reiterou a importância de erradicá-lo.

A conduta, portanto, passou a ser mais rígidamente punida, conforme previsto pela legislação, mediante o CTB. A penalidade para esse tipo de infração acarreta a perda de sete pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH), além de multa no valor de R$ 293,47. O veículo é retido até a resolução do problema. A depender do caso, processos criminais também podem ser cabíveis.

Perigos

Quem viaja em compartimentos de carga está sujeito a diversos riscos. Segundo Francimuller, “em qualquer frenagem ou manobra mais brusca, a pessoa estaria sem cinto de segurança e poderia ser ejetada do veículo, além de estar muito exposta a qualquer tipo de lesão e fratura”. A situação agrava-se quando a área de carga é totalmente fechada, como nos caminhões baú: além da ausência de cinto, o passageiro enfrenta calor intenso e falta de ventilação, fatores que podem comprometer a saúde.

Outro risco apontado é a possibilidade de intoxicação por monóxido de carbono. A Conselheira Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e integrante do Conselho Estadual de Trânsito da Paraíba (Cetran-PB), Giordana Coutinho, alerta que “em alguns veículos, o monóxido de carbono do escapamento pode se infiltrar no compartimento de carga, um gás inodoro e incolor que é fatal mesmo em pequenas quantidades”. Ela ressalta ainda que, em situações de emergência, o passageiro pode ficar trancado no compartimento, impossibilitado de abri-lo para escapar.

Apesar de todos esses perigos, os especialistas observam que recorrer a esse tipo de transporte muitas vezes é uma necessidade, e não uma escolha. De acordo com Giordana, quem se arrisca a viajar em espaços destinados à carga, na maior parte das vezes, “são pessoas de baixa renda, em vulnerabilidade social, em virtude de trabalho em condições precárias ou transporte clandestino”. Francimuller concorda: “Basicamente, isso ocorre por uma necessidade que as pessoas possuem de se deslocar para outro lugar distante”.

Legislação

A proibição desse tipo de transporte ganhou maior evidência em 1998, quando a Lei no 9.602 promoveu alterações no Artigo 108 do Código de Trânsito Brasileiro, ao tratar do “transporte precário e excepcional de passageiros em veículos de carga ou mistos, em locais sem linha de ônibus regular”. De acordo com a norma, essa prática só poderia ocorrer de forma temporária, com prazo máximo de 12 meses para que fosse implementado o transporte coletivo adequado.

Além desse limite, o inciso II do artigo 230 do CTB estabelece outras exceções, permitindo o transporte de passageiros em compartimentos de carga “por motivo de força maior, com permissão da autoridade competente e na forma estabelecida pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran)”. Esses motivos incluem, por exemplo, situações de emergência ou demandas de natureza humanitária.

A equipe de A União tentou contato com a Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana da capital (Semob-JP), mas, até a publicação desta edição, não obteve retorno em relação ao número de multas lavradas junto ao órgão.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 9 de dezembro de 2025.