Às vésperas do Dia Mundial de Luta contra a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids), celebrado anualmente em 1º de dezembro, o Programa Conjunto da Organização das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) revelou que a resposta global ao Vírus da Imunodeficiência Humana sofreu seu maior retrocesso em décadas, em decorrência de cortes no financiamento internacional. No entanto, acredita-se que, com a inovação científica, ações comunitárias e compromisso político, é possível prevenir 3,3 milhões de novas infecções de 2025 a 2030. Hoje, 40,8 milhões de pessoas vivem com HIV em todo o mundo.
Nesse sentido, a campanha Dezembro Vermelho, que visa alertar a população sobre a prevenção e o tratamento das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), com foco especial no HIV/Aids, ganha destaque neste ano. Na Paraíba, o Complexo de Doenças Infectocontagiosas Dr. Clementino Fraga, referência no atendimento a pessoas que convivem com HIV e outras infecções transmissíveis, promoverá uma série de ações durante todo o mês, voltadas para o público em geral e profissionais de saúde. Segundo dados do hospital, até o dia 31 de outubro, foram realizados 8.650 testes rápidos para detecção de HIV e, desses, 8,08% apresentaram resultado positivo — porcentagem correspondente a 699 dos testes. Em 2024, foram feitos 8.131 testes, entre os quais 284 positivaram para o vírus.
De acordo com a infectologista Adriana Cavalcanti, diretora clínica do complexo, o aumento no número de testes positivos deve-se a um conjunto de fatores. “Por um lado, há mais conhecimento sobre o diagnóstico e o tratamento, então mais pessoas procuram fazer o exame. Por outro, ainda existe o peso da descoberta do HIV e muito preconceito. Mas, entre os jovens, o medo de contrair o vírus diminuiu, porque eles sabem que a infecção, embora não tenha cura, pode ser controlada. E, sem esse medo, a exposição acaba sendo maior”, ela disserta.
Neste ano, 503 novos pacientes foram registrados no Clementino Fraga — em sua maioria, pessoas dos 35 aos 49 anos. Com isso, atualmente, são 8.021 pessoas cadastradas no complexo para receber a medicação antirretroviral. Em 2025, 76% desses usuários eram do sexo masculino. Adriana reforça a importância de um diagnóstico precoce, tanto para impedir que o HIV evolua para a doença Aids quanto para garantir que o indivíduo soropositivo possa viver tranquilamente, com o vírus indetectável e controlado pelo uso contínuo da medicação.
“No começo, os sintomas lembram muito os de uma gripe, só que duram por mais tempo. O ideal é começar o tratamento nesse momento, antes que a infecção se agrave”, ela explica. “No entanto, é possível que, por anos, nenhum sintoma se manifeste. Por isso, é muito importante que, após uma situação de risco, como sexo sem preservativo ou um acidente com objeto cortante que não é seu, a pessoa procure uma unidade de saúde, para dar entrada na Profilaxia Pós-Exposição [PEP] e realizar os devidos exames”.
A PEP é uma medida de urgência que utiliza medicações antirretrovirais para prevenir uma infecção pelo HIV e deve ser iniciada, no máximo, 72 horas após a exposição. A eficácia depende da adesão rigorosa ao tratamento, o qual não protege contra outras infecções sexualmente transmissíveis.
Além da PEP, existe também a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), utilizada antes de uma possível exposição ao vírus. Adriana ressalta que a camisinha ainda é considerada o método mais eficaz e acessível para se proteger da maioria das ISTs, inclusive do HIV, “mas, para quem tem alergia, ou sabe que tem uma tendência a esquecer, que não se adapta ao uso e tem múltiplos parceiros, buscar fazer uso da PrEP é importante”, diz a médica. No Clementino Fraga, bem como nas demais unidades do Sistema Único de Saúde (SUS), o acesso à medicação é gratuito, e o paciente pode ser acompanhado por uma equipe multidisciplinar, para garantir a eficácia do tratamento e a qualidade de vida.
Atendimento psicológico
Entre os profissionais que integram o acompanhamento dos inscritos no complexo, estão os psicólogos, que conversam com os pacientes antes da testagem viral, no momento da entrega do resultado e, depois, continuam prestando apoio a quem precisa. O psicólogo Antonio Luiz, envolvido na organização do simpósio do Dezembro Vermelho no Clementino Fraga, conta que, neste ano, os profissionais de saúde sentiram necessidade de, além de conversar sobre inovações, voltar a debates antigos para combater o preconceito que envolve o tema. “Vamos trazer especialistas para falar de ética, sigilo profissional, estratégias de prevenção, avanços no tratamento, vulnerabilidades e subjetividades dos pacientes”, expõe.
Segundo Antonio, a equipe do Clementino tem buscado, cada vez mais, dar atenção às especificidades que vêm com cada paciente. “Temos percebido um volume muito grande de situações em que as pessoas se expõem sexualmente por uso de substâncias químicas. Também ouvimos muito, atendendo na PEP, que a exposição aconteceu porque alguém tirou o preservativo sem o consentimento do parceiro, o que é uma violência. Há uma variedade de circunstâncias que demandam atenção”, comenta.
O psicólogo explica, assim, que nenhum julgamento moral é devido, tendo em vista que um paciente pode ter se acidentado com objeto cortante compartilhado, sido violentado, trabalhar com sexo ou estar lidando com alguma questão psicológica, que o leve a algum comportamento de risco por estar passando por um momento difícil. “A única coisa que interessa é a adesão ao tratamento, ter certeza de que essas pessoas vão receber o cuidado necessário”, finaliza.
Informação e tratamento são ferramentas para vencer estigma
Quando tinha 23 anos, Sofia (nome fictício) descobriu que tinha contraído o HIV. Ela foi até um hospital com náusea, tosse e dores no corpo, e o médico responsável pelo atendimento pediu que ela fizesse um teste rápido, como parte do pacote de exames. “Eu não esperava, porque até então só tinha tido um parceiro e não me colocava em situações de risco. A gente não namorava e eu sabia que ele via outras pessoas, mas nunca esperei que a situação fosse se desenrolar assim. Fiquei muito perdida quando soube”, conta.
Com a adesão ao tratamento e acompanhamento psicológico, Sofia percebeu, aos poucos, que podia continuar vivendo normalmente. “A carga viral está zerada, indetectável em todo exame que faço. Não me sinto mal, apesar de ter demorado um pouco para me adaptar aos remédios. Hoje, com 28 anos, eu me sinto mais tranquila em relação a viver com o vírus, mas nunca contei para a minha família, porque tenho medo da reação deles, que são bem tradicionais”, ela relata.
“Quando estávamos nos conhecendo, também contei para o meu [atual] namorado, que está comigo há quase dois anos. E [contei] a alguns amigos próximos, porque passar por algo assim, tão estigmatizado quanto o HIV, estava sendo muito difícil sozinha. Hoje, vivo bem e feliz de verdade. Mas espero que as pessoas sempre se previnam, que saibam que o ideal é não contrair o vírus. Não tem cura, os remédios são para o resto da vida e o acompanhamento médico precisa ser constante”, complementa.
Acolhimento
Antonio Luiz acredita que, apesar dos avanços científicos em relação ao tema, não houve uma evolução grande do ponto de vista humano. “Ainda há muito preconceito, que leva essas pessoas a sentir tanto medo e vergonha que, às vezes, elas nem buscam o tratamento, com receio de serem vistas passando pelas portas de um hospital que é referência, justamente, no tratamento de HIV e Aids”, aponta o psicólogo. Ele conta que já testemunhou pacientes buscando tratamento em outro estado, para evitar pessoas conhecidas, ou que desenvolvem formas de esconder o uso da medicação, como armazenar o remédio em potes de proteína de academia, para não precisar contar às pessoas com quem convive que é soropositivo.
“Não faz sentido isolar essas pessoas. Não tem necessidade. Doenças que se referem ao sexo são, ainda, muito circundadas de tabus, mas ninguém contrai o HIV no convívio social, não é assim”, diz o psicólogo. “Essas pessoas precisam de alguém que aponte luzes que, naquele momento, elas não conseguem ver sozinhas. Você está lidando com gente, que tem sentimentos. Eu acredito que, hoje, esse é um dos serviços mais bonitos da Psicologia: esse momento de escuta, de acolhida, de apontar caminhos”, declara.
Para o profissional, a inclusão da infecção por HIV na lista de condições crônicas e tratáveis ajudou a espalhar a informação de que pessoas soropositivas “podem viver uma vida longa, casar sem infectar o parceiro, ter filhos”. Já a infectologista Adriana Cavalcanti reitera que o HIV não está restrito a nenhum grupo social, nem pode ser identificado pela aparência das pessoas. “São comportamentos de risco, e qualquer um que adote um deles pode estar se expondo ao vírus. Mas é muito importante lembrar que o HIV é contraído através de relação sexual sem preservativo e contato com o sangue, não por saliva nem por vias aéreas. Um abraço, beijo, viver junto, nada disso transmite HIV. Saber disso já ajuda muito na diminuição do medo e da estigmatização”, conclui.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 30 de novembro de 2025.
