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Projeto combate pobreza energética

publicado: 30/12/2024 10h18, última modificação: 30/12/2024 10h18
Sou Sustentável, desenvolvido pela UFPB, propõe levar energia solar para comunidades periféricas de João Pessoa
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Placas fotovoltaicas foram instaladas no Instituto Voz Popular, instituição social que atua na comunidade São Rafael | Fotos: Evandro Pereira
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Entidade beneficiada pelo projeto oferta reforço escolar e aulas de música para crianças | Fotos: Evandro Pereira
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Fotos: Evandro Pereira
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por Samantha Pimentel*

As ações voltadas à sustentabilidade buscam garantir as necessidades da sociedade atual sem comprometer as gerações futuras, encontrando modos de equilibrar o desenvolvimento econômico e social com a preservação ambiental. Dentro desse cenário, o projeto de extensão Sou Sustentável, desenvolvido no Centro de Energias Alternativas e Renováveis (Cear) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), pretende levar energia solar a comunidades periféricas de João Pessoa, contribuindo não apenas com a sustentabilidade mas também com a equidade social.

 O objetivo da ação é combater, sobretudo, a pobreza energética, construindo usinas solares fotovoltaicas que possam gerar e distribuir energia para os moradores. Hoje, o projeto atua em duas comunidades, São Rafael e Muçumagro, e, na primeira, já há uma pequena usina solar fotovoltaica instalada recentemente, em agosto deste ano, que beneficia o Instituto Voz Popular, uma organização social que realiza atividades educacionais, culturais e sociais para crianças, adultos e idosos que residem ali.

No local, foram instalados três paineis solares de 485 kWp — sigla para Watt-pico, medida de potência energética associada a células fotovoltaicas —, a partir de doação de uma empresa privada, e a instalação também contou com a doação de mão de obra de outra empresa. Segundo o coordenador do projeto, o professor José Félix Neto, a ideia é que possam ser construídas parcerias com empresas privadas e também com entes públicos, ampliando as ações.

O projeto Sou Sustentável surgiu em 2021, mas, segundo esclarece José Félix, nessa época ele tinha outro foco, e foi sendo reformulado até chegar nesse trabalho com energia solar, por entenderem que a questão da pobreza energética poderia causar mais impacto nas comunidades.

“A ideia é mitigar a pobreza através da energia solar”, destaca. Em comunidades como a São Rafael, localizada no Bairro Castelo Branco, a realidade ainda é de dificuldade de acesso a serviços essenciais, como serviços energéticos adequados. Esse é um problema que persiste em áreas urbanas periféricas e em áreas rurais, e que muitas vezes leva à presença de ligações clandestinas ou até mesmo à total falta de acesso à eletricidade.

Sistema instalado gera uma economia de cerca de 60% nos custos da instituição com energia elétrica

As fontes renováveis de energia podem combater essa pobreza energética, proporcionando o acesso à eletricidade confiável e acessível, que atendam às necessidades básicas das famílias.

O sistema já instalado vem impactando na redução da emissão de dióxido de carbono (CO2), um dos gases responsáveis pelo aquecimento global, e também gerou uma economia de cerca de 60% nos custos de energia elétrica do instituto. A geração mensal é de 180 kW, e a proposta é aumentar em 10 vezes essa geração, podendo também ampliar o benefício para a comunidade.

“A usina é pequena, mas já ajuda e contribui com algumas demandas deles. A expectativa da gente é ampliar essa usina. Recebemos recentemente uma emenda parlamentar, e estamos buscando viabilizar esse recurso para isso”, afirma.

O coordenador das ações na comunidade, que integra o Instituto Voz Popular, Daniel Pereira, diz que eles desenvolvem várias atividades no local, em prol de melhorias para a vida da comunidade, como as aulas de música, reforço escolar, informática, criação de um banco comunitário com moeda própria, distribuição de leite, rádio comunitária e outras.

Nesse contexto, a energia solar é mais uma forma de fortalecer esse trabalho que vem sendo feito e melhorar a vida dos moradores. “Se pudermos distribuir energia para alguns moradores, diminuindo a conta, esse dinheiro que eles vão economizar na conta de energia, eles podem investir na melhoria de vida, e na economia da comunidade, melhorando a economia como um todo. Isso é economia solidária e sustentabilidade”, afirma.

Daniel ainda destaca que, através da energia solar já instalada na comunidade São Rafael, eles podem fazer economia, e esse valor economizado na conta de energia está sendo revertido para outras ações do instituto. “Isso levou o instituto a ter uma economia de mais de 60% e, com essa diminuição, a gente já pega esse dinheiro, e tá investindo no lanche das crianças, por exemplo, então isso tem um impacto nas nossas ações”, afirma. Ele ainda reforça que, havendo a ampliação do sistema, a ideia é criar uma poupança comunitária a partir desse recurso economizado, para que com isso possam ser feitas ações em prol de todos os moradores, fortalecendo a sustentabilidade ambiental e econômica da região.

Projeto também promove ações educativas

Além da instalação das usinas solares fotovoltaicas, o projeto também realiza capacitação com os moradores, para que eles possam entender melhor sobre o funcionamento da energia solar e sua contribuição para um mundo mais sustentável. “Na periferia, a gente também faz um trabalho de divulgação, trazendo temas relacionados às energias renováveis, relacionados às mudanças climáticas, num contexto mais amplo de sustentabilidade”, explica José Félix.

A gente também faz um trabalho de divulgação, trazendo temas relacionados às energias renováveis, às mudanças climáticas, num contexto de sustentabilidade
- José Félix

Também são feitas pesquisas que ajudam a compreender o impacto dessas usinas nas comunidades. “A proposta da gente é fazer um diagnóstico antes, de como era a comunidade, e fazer uma avaliação depois de implantada a usina. Existem indicadores para a gente avaliar qual tem sido a melhoria na vida das pessoas, e um dos principais é a chamada pobreza energética. Então a gente mede essas coisas, e aí a gente produz ciência também a partir disso”, destaca o professor.

Um podcast também vem sendo realizado como parte das ações do Sou Sustentável, buscando abordar temas que tenham ligação com a sustentabilidade. “Temos trazido pessoas que, ou trabalham, ou interagem, pesquisam, ou estudam essas temáticas relacionadas às mudanças climáticas, com foco nas energias renováveis e outras coisas também dentro desse contexto, é o Solartalk”, afirma. O professor também comenta que o projeto em sua essência é de extensão, mas que também faz pesquisa e que há a preocupação com a formação dos estudantes que estão integrando as ações.

“Então esse podcast faz parte desse processo; quem entrevista são os alunos do projeto. Então eles precisam estudar o tema, conhecer um pouco mais sobre aquilo, questionar. Então faz parte dessa formação também”, destaca. Além disso, o podcast também é uma forma de facilitar o acesso desse debate e de informações sobre os temas relacionados à sustentabilidade, para o público externo.

Reconhecimento
O projeto de extensão Sou Sustentável participou do Expo Favela em 2023 e 2024 e recentemente conquistou o terceiro lugar na categoria Desenvolvimento Social do Desafio Cidade Inovadora, promovido pela Secretaria Municipal de Ciência e Tecnologia (Secitec-JP) e pela Agência de Inovação Tecnológica de João Pessoa (Inovatec-JP).
A iniciativa apresentou a ideia da usina solar social, que já vem sendo desenvolvida por eles. Segundo o professor José Félix, a conquista é resultado do esforço da equipe e é mais um passo para que a proposta possa ser melhor conhecida, divulgada e apoiada por entes públicos e privados da capital paraibana.

Estudantes consideram essa experiência transformadora

Dentro da equipe do projeto, além de estudantes de Engenharia de Energias Renováveis, também há alunos de Engenharia Ambiental, Engenharia Elétrica e Arquitetura; ao todo são 14 discentes integrando as ações. A UFPB oferta bolsas para alguns desses alunos, o que também ajuda na manutenção das ações, mas, quanto aos equipamentos, é preciso fechar parcerias externas, confrome explica o professor.

Entre os integrantes do Sou Sustentável, está Dara Eliziario, aluna do 6o período de Engenharia de Energias Renováveis, que conta que a experiência no projeto tem sido transformadora. “Eu vim de uma realidade muito parecida com a das pessoas que a gente beneficia hoje, que são comunidades periféricas. Então, quando eu entrei no curso de graduação, você entra já com aquela ideia, vou estudar, fazer projetos, trabalhar em grandes empresas”, conta.

Para a estudante, com o projeto de extensão, ela percebeu que pode ser mais do que uma engenheira de projetos: “Eu posso realmente trazer essa contribuição para a sociedade”, afirma.

Dara ainda comenta que a sua atuação no projeto, para ela, é também uma forma de retribuir o investimento feito em seus estudos, a partir do acesso a uma universidade pública, mantida com investimentos de toda a sociedade por meio do pagamento de tributos.

“Então poder dar acessibilidade às pessoas, de informação, explicar de uma forma mais didática e acessível, é realmente muito gratificante. Além disso, o impacto que a gente traz com relação à transição energética justa e acessibilidade à energia para locais que muitas vezes, ou não tem acesso ou não tem uma qualidade de energia muito boa, é realmente o propósito como profissionais. Não é apenas ter números, é realmente fazer com que as pessoas se beneficiem com isso”, conclui.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 29 de dezembro de 2024.