Na Paraíba, mulheres que estiverem viajando sozinhas podem requerer assento ao lado de outra mulher, na hora de comprar a passagem. É um direito garantido por lei. O objetivo é coibir atos de abuso e violência sexual contra mulheres em coletivos intermunicipais, em especial, em viagens de longa duração.
Publicada no Diário Oficial do Estado, no dia 4 de abril passado, a Lei no 13.136, que prevê a preferência da disposição de assentos para mulheres desacompanhadas em ônibus intermunicipais, determina ainda que, no caso de não haver disponibilidade, no momento da compra da passagem, a empresa pode mediar a mudança de poltrona durante o embarque ou ao longo da viagem, com o auxílio de outros passageiros.
A lei também discorre sobre a obrigatoriedade, por parte das agências, de expor essas disposições no painel de avisos dos veículos, bem como nos guichês de venda. Outro ponto é que, antes do início da viagem, os passageiros devem ser informados sobre a legislação, sobre a tipificação de importunação sexual e demais condutas criminosas de natureza sexual, além de alertados sobre a interrupção da viagem e o acionamento de força policial, no caso de ocorrência de crime.
Em visita ao Terminal Rodoviário Severino Camelo, em João Pessoa, a equipe do Jornal A União não encontrou cartazes com essas informações, nem nos guichês, nem nos ônibus. Segundo a superintendente do Procon Estadual, Késsia Cavalcanti, órgão responsável pela fiscalização do cumprimento da lei, em visita realizada ao terminal, há cerca de dois meses, os cartazes estavam lá. “Na ocasião, o Procon Paraíba identificou que estava sendo cumprido o que está dito na lei. No entanto, caso haja irregularidades, as mulheres podem reclamar na empresa ou no órgão de proteção e defesa do consumidor”, disse.
Para Fleming Cabral, gerente-executivo de Transporte do Departamento de Estradas de Rodagem da Paraíba (DER-PB), uma das dificuldades de afixar a lei nos guichês diz respeito à existência de uma série de cartazes que já estão no mesmo espaço, com informações sobre outras leis (como a Lei do Idoso, a Lei do Deficiente, a Lei do Autista e a Lei do Portador de Câncer), o que pode interferir na visibilidade do guichê. “A afixação é dever da empresa, e o DER vai fiscalizar isso. Mas entendemos que colocar todas as leis no guichê pode perder a visibilidade. As empresas podem colocá-la em um painel, encadernada, para que a pessoa folheie”, sugere.
Ele acrescenta ainda que, caso não tenha a demanda do assento preferencial atendida, a mulher deve reclamar ao DER ou à Ouvidoria do Estado. “Até agora, não tem havido reclamações. Mas, caso aconteça algo, é importante que a mulher que for lesada registre a reclamação com data, hora, destino e, se possível, o número do ônibus, para que o DER tome as medidas cabíveis”, diz. Nesses casos, o DER atua em sintonia com a ouvidoria do órgão — e a do próprio Estado — para identificar denúncias. “Essa lei precisa ser bem divulgada, para que as mulheres saibam que podem optar pelo assento preferencial”, observa.
Assédio
Para a advogada Paula de Oliveira, especialista em direito das mulheres, há uma lacuna, na lei, em relação à falta de especificação de quem e de como será feita essa fiscalização, tanto nos terminais quanto dentro dos ônibus. “No Brasil, há muitas leis construídas sem o olhar técnico das pessoas que trabalham com esse enfrentamento e sem um diálogo horizontal com as mulheres. São leis que surgem com o objetivo de dar proteção, mas que deixam a desejar, como nesse caso. Quem vai fiscalizar? Em caso de não cumprimento, quem punirá? E que punições terá a empresa?”, questiona. No entanto, embora a lei deixe pontas soltas, ela acredita que é possível melhorar.
Paula supõe que essa lei dialogue com a Lei de Importunação Sexual, nacional, criada em 2018, e que surgiu a partir de um caso de assédio sexual dentro de um transporte público. Mas, além de uma legislação própria, a medida precisa se aliar a outras iniciativas, como campanhas educativas nos transportes intermunicipais, voltadas não somente para as mulheres, mas também para os homens, no sentido de respeitar as mulheres.
Ela também remete à necessidade de as empresas de ônibus divulgarem a legislação e capacitarem os motoristas — e as demais pessoas que prestam esse serviço — para eles saberem como atuar em casos de violência que estejam ocorrendo dentro do transporte.
O que fazer
Em caso de assédio ou importunação sexual em um transporte intermunicipal, o primeiro passo é ligar para o 190, uma vez que a violência acabou de ocorrer e pode ser feita uma prisão em flagrante. Chegando ao local, deve-se informar, à PM ou à PRF, o que está acontecendo. A mulher deve ser orientada a procurar os canais de atendimento, como um Centro de Referência da Mulher.
Se o caso de violência deixou vestígios, a vítima deve ser levada para a delegacia, encaminhada para um exame de corpo delito e, caso o transporte possua filmagens, que a pessoa responsável pelo ônibus comunique os seus superiores de que houve uma violência, para que seja preservado o vídeo, a ser usado como prova.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 30 de julho de 2024.