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inclusão e representatividade

Sala de aula é lugar de transformação

publicado: 15/10/2025 08h21, última modificação: 15/10/2025 08h21
No Dia do Professor, docentes celebram o sucesso de abordagens inovadoras no estado, voltadas a quilombolas e idosos
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Turmas da Escola Amélia Maria da Luz aprendem a valorizar as raízes culturais da comunidade | Foto: Divulgação/Escola Amélia Maria da Luz

por Samantha Pimentel*

“É uma caminhada coletiva. Estamos todos aprendendo e ensinando, porque a gente também aprende com tudo que eles trazem das suas comunidades”. A frase, que parece inspirada no pensamento de Paulo Freire, é da professora de Língua Portuguesa e Artes, Iskaime Sousa. Ela atua, há três anos, na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio e Educação de Jovens e Adultos Amélia Maria da Luz, primeira Escola Quilombola de Ensino Médio da Paraíba, localizada no município de Pombal. A grade curricular da unidade é diferenciada, combinando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) com os saberes e a cultura local, valorizando a história, as relações etno-raciais, a diversidade, os conhecimentos tradicionais e a identidade quilombola.

“Meus horizontes de reflexão da temática etnico-racial se expandiram muito. Na escola quilombola, o que a gente vivencia, em termos de abordagem e de projetos, tem alargado meus horizontes também para a atuação na outra escola onde leciono, de como trabalhar numa prespectiva antirracista”, destaca Iskaime. Para ela — que, inicialmente, teve receio ao ingressar na instituição e atuar com essa nova abordagem —, a escola quilombola tem um grande valor cultural e ancestral, não só para os alunos e professores, mas para toda a sociedade. “Não podemos nos apartar da nossa cultura, das nossas raízes, e é importante colocá-la em um espaço de protagonismo”, afirma.

O diretor da instituição, Márcio Bezerra, explica que a escola existe desde 1989, voltada, a princípio, à Educação Infantil. Só em 2022 foi implantado o Ensino Médio, com base na matriz quilombola. “A gente vem nesse processo de transição: estamos finalizando as turmas de Ensino Fundamental e, a partir de 2027, devemos ficar apenas com o Ensino Médio”, pontua. A escola fica no bairro Petrópolis, vizinho a uma comunidade quilombola urbana, denominada Daniel. Na localidade, há ainda outras duas comunidades: Os Barbosas, também em meio urbano, e Os Rufinos, na Zona Rural. “A gente mantém esse contato, tanto das comunidades na escola como da escola na comunidade. Desenvolvemos projetos em conjunto para estreitar esses laços”, salienta o diretor.

Disciplinas

Sobre a grade curricular, Márcio ressalta que, além de Matemática, Português e Geografia, por exemplo, há disciplinas como Cultura e Arte dos Povos Quilombolas; Prática em Tecnologia Social; Prática em Tecnologias Agrícola e Territorial; e Etno-história, entre outras. Para essas abordagens, há a dificuldade de encontrar material didático apropriado, por isso, os docentes vêm trabalhando para elaborá-lo. “Eu e os outros professores estamos nesse espaço de construir, junto com os alunos, o que está de acordo com a sua realidade e o que não está. Busco, por exemplo, em Literatura, trabalhar com livros de autores e com protagonistas negros — uma forma de fazer com que os estudantes tenham essa representatividade”, frisa Iskaime.

Para Márcio, a matriz curricular diferenciada também é essencial para o conhecimento da história do município. “A cidade de Pombal é a mais antiga do Sertão paraibano e, dentro dessa história, estão as comunidades quilombolas. Essa abordagem educacional tem o foco de mostrar para os estudantes — que, em muitos casos, ainda desconhecem a história de onde vivem — como foi esse processo”, conta.

Conquista

Hoje, a instituição possui 95 alunos matriculados, entre quilombolas e não quilombolas, como Ranielly Alexandre da Silva, do segundo ano do Ensino Médio. Embora sua família materna seja quilombola, ligada à comunidade Daniel, ela afirma que conheceu mais da história local dentro da escola. “É uma escola mais participativa, tem muitas ações que nos envolvem na nossa cultura. Podemos conhecer, vivenciar e aprender cada vez mais sobre quem somos”, enfatiza Ranielly, que diz que esse conhecimento também vem sendo repassado para seus familiares.

A estudante foi recentemente classificada e aprovada no Projeto Conexão Mundo, do Governo da Paraíba, e deve vivenciar um intercâmbio em 2026, indo para Chile, Colômbia ou Espanha. “Foi uma felicidade imensa quando recebi o resultado! Porque não é só uma conquista minha, é da minha família, porque serei a primeira a viajar para o exterior”, comemora. Para o diretor, a conquista também reflete os resultados da escola. “É a primeira estudante de uma escola quilombola do estado a fazer esse intercâmbio educacional. Toda comunidade escolar ficou muito feliz”, relata.

Na UEPB, curso propõe perspectiva positiva sobre o envelhecimento

Manoel Freire exalta troca de experiências com alunos 60+ | Foto: Divulgação/Uama

Já o professor Manoel Freire, de Educação Física, que coordena a Universidade Aberta à Maturidade (Uama), define como singular a experiência de trabalhar com idosos. “Mesmo que seja um idoso não letrado, ele vem com uma bagagem tão grande de vida que, muitas vezes, as experiências deles trazem um debate muito rico para a sala de aula”, ressalta. Outro ponto que ele destaca sobre seu ofício no local é a relação afetiva que se constrói. “Eu chego lá e recebo vários abraços, a gente conversa sem precisar de celular. Essa parte emocional, esse aconchego é muito mais forte dentro da Uama”, pontua.

Ligada à Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), a Uama existe desde 2009, oferecendo um ambiente educacional voltado a pessoas com idade a partir dos 60 anos e qualquer nível de escolaridade. Por meio do curso livre Educação para o Envelhecimento Humano, a iniciativa oferece o aprofundamento de conhecimentos em áreas como Saúde, Educação, Direito e Cidadania, Letras, Tecnologia, Cultura, Lazer e outras. As turmas são ofertadas nos campi I, II e III da UEPB, localizados, respectivamente, em Campina Grande, Lagoa Seca e Guarabira. Com duração de dois anos e aulas realizadas duas vezes por semana, o curso é composto por disciplinas obrigatórias e optativas, distribuídas em quatro eixos. Além disso, há um grupo de convivência para os egressos que não querem perder o vínculo com a instituição.

“Dentro da Uama, mudei minha vida, diminuindo meu estresse, sendo uma pessoa mais consciente do que eu quero. Completo 60 anos em 2026, serei também uma pessoa idosa, e venho preparando minha velhice há muito tempo, praticando atividades físicas, comendo bem, dormindo melhor, para que seja uma longevidade com saúde e bem-estar. Isso eu aprendi com os idosos”, revela Manoel. Além da Uama, ele ainda ministra aulas no curso de graduação em Educação Física da UEPB, e comenta as diferenças entre as turmas. “Os idosos têm necessidade de falar. Na graduação, estimulo muito os alunos, mas eles ficam mais na posição de escuta. Na Uama, não precisamos pedir, eles já levantam a mão e perguntam se podem falar”, observa.

Quanto à proposta da unidade, Manoel esclarece que ela surgiu a partir de sua experiência de doutorado, na Espanha, onde conheceu o modelo de ensino que trouxe para cá, adaptando-o à realidade local. A ideia é pioneira no país e, além dos conhecimentos técnicos, ajuda a trabalhar a autoestima do público-alvo e propõe uma perspectiva positiva sobre o envelhecimento. A acessibilidade integra o formato das aulas — os slides apresentados são todos lidos, para incluir quem não tenha letramento. “A sala tem dois aparelhos de projeção, para que os slides fiquem próximos e para que os alunos enxerguem bem. Temos aparelho de som e microfone, para facilitar aos que têm deficiência auditiva”, conta o professor.

Renovação

A experiência também é transformadora para os estudantes da Uama. José Ribamar Avelino, por exemplo, concluiu o curso em junho deste ano e diz que isso alterou várias áreas da sua vida. “Eu não gostava de praticar academia e, hoje, faço isso. Tenho o entendimento do que devo fazer ou não, devido às limitações da idade. Cuido mais da saúde. E mudei com a família, tinha um jeito mais grosseiro e, hoje, sou mais receptivo com as pessoas”, reflete. O curso ainda proporciona debates sobre temas em evidência ou que afetam as pessoas idosas, e ajuda a acolhê-las e orientá-las em possíveis casos de abuso ou violência que venham a sofrer.

Outro ponto é a formação de vínculos, amizades e parcerias que tornam a vida mais alegre e ajudam a combater o isolamento e a depressão na maturidade. Entre as atividades do curso, Ribamar conheceu Maria das Dores Brito e os dois iniciaram um relacionamento. “Depois dos 60 anos, arrumei até uma namorada”, brinca ele, frisando que isso influenciou na melhoria do seu humor e em sua rotina, pois o casal passou a sair e viajar mais.

Desde sua fundação, passaram pela Uama 21 turmas, com 1.300 alunos, e dezenas de professores. Ao deixar o curso, todos carregam consigo não só o aprendizado adquirido com a troca de experiências, mas também os laços que criaram e que deixam marcas para o resto da vida. 

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 15 de Outubro de 2025.