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e os namoradinhos?

Solteirice é alvo comum nas festas

publicado: 26/12/2024 10h34, última modificação: 26/12/2024 10h35
Expectativas familiares sobre solteiros colocam em debate escolhas pessoais e a pressão por cumprir padrões sociais
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Para muitas pessoas, perguntas e comentários indiscretos sobre estar sozinho podem transformar celebrações de fim de ano em ocasiões bem desconfortáveis | Foto: Freepik

por Priscila Perez*

Em festas familiares de fim de ano, não há nada mais típico para pessoas solteiras do que ouvir a pergunta: “E os namoradinhos?”. Para muita gente, questionamentos como esse podem transformar o clima de celebração em um momento bastante desconfortável, trazendo o peso de expectativas e cobranças sociais. Enquanto alguns encaram a pressão familiar com bom humor, outros veem situações do tipo como um convite involuntário para refletir sobre o que significa estar solteiro. Mas, afinal, a solteirice é um estado temporário, estilo de vida ou reflexo de algo mais profundo?

Para o sociólogo e professor Marco Barros, do Instituto Federal de Rondônia (Ifro), esse tipo de cobrança, ainda que incômodo, não é novo nem exclusivo de uma geração. Embora possa soar antiquado, ele carrega significados muito mais complexos do que um simples olhar de reprovação durante uma confraternização, remetendo ao conceito de coletividade e à nossa própria história como espécie. Marco lembra que a humanidade só evoluiu porque “criou profundos mecanismos de coordenação e cooperação” e que a família, em suas diferentes formas, sempre foi parte essencial desse processo.

Sendo assim, ele considera natural, quase instintiva, a pressão familiar em relação à sociabilidade, característica básica do ser humano — inclusive, enquanto mamífero. “Evoluímos, mas continuamos sendo animais. Ainda que não seja dito, a sociedade espera que as pessoas encontrem alguém e se reproduzam. Isso sempre existiu e sempre vai existir”.

Questão feminina

Entretanto, as expectativas não pesam da mesma forma para todos. Segundo Marco, as mulheres são mais pressionadas a encontrar o parceiro ideal e a ter filhos, uma cobrança diretamente ligada à ideia de que o casamento e a maternidade são os principais símbolos de realização feminina. “Mas, hoje, a questão não é se você está sozinho ou não; é se você vai ter filhos. E, para a mulher, isso é muito mais forte”, pontua o sociólogo, explicando que essa pressão tem raízes ainda mais profundas, relacionadas ao controle do corpo feminino. Mesmo hoje, em alguns contextos familiares, busca-se “arranjar” casamentos, apresentar pretendentes ou pedir descendentes para mulheres solteiras. No caso delas, o peso do relógio biológico é tão forte quanto as expectativas sociais.

Na avaliação da terapeuta Herika Vasconcelos, essas demandas podem ser devastadoras, especialmente para quem não desenvolveu o que ela chama de “raízes emocionais”. “Uma árvore precisa de boas raízes para crescer firme. E nós, seres humanos, somos assim também. Se nossas necessidades emocionais não foram trabalhadas ao longo da vida, a opinião dos outros passa a impactar diretamente nossa autoestima, porque ainda buscamos a validação alheia”, esclarece a especialista, vinculando essa condição a uma espécie de “permissão” externa para viver. “Aquelas mulheres que vivem na necessidade de agradar a todos acabam se tornando reféns disso. Movidas pela vontade de satisfazer expectativas externas, elas se perdem de si mesmas, tornando-se prisioneiras dessa dinâmica”, complementa.

No entanto, Herika ressalta que esse ciclo pode ser rompido. Ao trabalhar tais questões em sessões de terapia, é possível superar a dependência da validação externa e viver sem culpa. “Com esse fortalecimento emocional, a mulher passa a tomar decisões alinhadas a suas próprias crenças e desejos, sem se sentir obrigada a atender às expectativas de terceiros”, conclui.

Vida solo também revela desejo por mais liberdade e independência

Por outro lado, cabe notar que a tradicional dinâmica social envolvendo casamento e filhos não atravessou gerações intacta. E, em resposta aos “padrões do passado”, a vida solo virou uma expressão moderna de independência e liberdade para quem prefere estar só a mal-acompanhado.

Segundo Marco Barros, com a ascensão do indivíduo como personagem central do mundo contemporâneo, a ideia de prosperidade também foi ressignificada, sendo associada primariamente ao sucesso material e, com isso, acolhendo a possibilidade de ser feliz sozinho. “A vida solitária não é solidão. Inclusive, aprendemos mais coisas quando estamos sozinhos. Se a pessoa usa bem esse momento de estar consigo, pode ser libertador”, reflete o sociólogo.

O caso de Lidiane Fonsêca de Lima, de 38 anos, é um exemplo disso. Solteira por convicção, ela prefere responder às perguntas invasivas sobre namoro demonstrando sua satisfação pessoal. “Eu amo minha vida como está. Não me sinto incompleta por estar solteira e, honestamente, acredito que isso incomoda mais quem pergunta do que a mim mesma”.

Para Lidiane, falta empatia a quem insiste em questionar a vida alheia. “Por que ninguém me pergunta se estou feliz?”, provoca, deixando claro que, para ela, a solteirice não é um estado necessariamente transitório ou um problema a ser resolvido, mas uma decisão consciente de bem-estar. “Ser solteiro é uma condição de paz. O futuro é imprevisível, então estar bem com as escolhas do presente é o que realmente importa”, diz.

Ninguém é uma ilha

Conforme alerta Marco, porém, o individualismo exacerbado traz riscos, especialmente em uma sociedade tão competitiva como a nossa, e é fundamental preservar o senso de comunidade e a conexão com a coletividade — afinal, somos seres sociais.

O desafio, portanto, não está em renunciar à independência ou viver isolado, mas em encontrar um equilíbrio. “O problema não é estar solteiro, mas achar que isso exclui a importância das relações e da vida coletiva. Você pode ter um projeto de vida solo, mas é preciso olhar para o outro”, salienta o especialista.

Autoconhecimento é aliado crucial contra medos e crenças nocivas

Como diz uma canção do Charlie Brown Jr.: “Cada escolha, uma renúncia — isso é a vida”. Compreender os impactos das nossas decisões é, sem dúvida, um passo fundamental para o amadurecimento. Mas como diferenciar uma escolha genuína de um trauma ou de um estado emocional afetado pelo medo?

Segundo Herika Vasconcelos, muitas decisões são influenciadas por emaranhados emocionais, crenças e experiências que acumulamos ao longo da vida. “É preciso se conhecer para tomar decisões genuínas”, observa a terapeuta. Mas não basta analisar apenas vivências individuais; também vale identificar os modelos sociais replicados no ambiente familiar. Dessa avaliação individual, podem surgir perguntas como: “O que acredito sobre relacionamentos?”; ou: “Há alguma ferida de rejeição ou abandono escondida?”.

O processo de autoconhecimento, de acordo com Herika, é a chave para se desvincular de crenças nocivas e medos. “Quando trabalhamos essas questões, conseguimos nos libertar do apego e da dependência emocional que, muitas vezes, nos prendem aos padrões familiares ou às expectativas alheias”, reforça a especialista, acrescentando que, dessa forma, as pessoas podem fazer escolhas alinhadas ao que realmente desejam.

Liberdade e clareza

Foi por meio do autoconhecimento que Maria das Graças Cândido de Lima, de 65 anos, conquistou liberdade e clareza em sua vida pessoal. Desde jovem, ela sabia que não iria querer se casar, mas nunca rejeitou a possibilidade de namorar. Preferiu, de todo modo, ficar ao lado da mãe para cuidar de sua saúde. “Não queria colocar um homem dentro de casa. Mas fui livre, viajei, trabalhei e nunca senti falta de nada. A felicidade é você estar em paz com o que escolheu para sua vida”.

Para Dazinha, como é conhecida na família, a chave foi entender o que queria e viver conforme suas crenças. “Eu acho que cada um tem que viver como acredita. Se você é feliz assim, por que mudar por causa do que os outros falam?”, questiona.

 Estar bem consigo mesma lhe permite, inclusive, lidar melhor com os comentários maldosos que ela ainda ouve. “Eu escuto até hoje essas coisas de ‘nunca se casou’, ‘nunca teve filho’. Tem gente que fala com maldade, mas eu sempre levei minha vida do jeito que achei certo”, completa. Convicta de suas escolhas, Dazinha nunca questionou a sobrinha Lidiane por seguir um caminho similar ao seu. Para ela, cada um tem uma história, e a sua tem sido muito feliz. “E a dela [de Lidiane] também será, porque ela está vivendo como acredita”, enfatiza.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 26 de dezembro de 2024.