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Tradição mantém “devoção” à pesca

publicado: 17/04/2023 13h05, última modificação: 17/04/2023 13h05
Pescadores contam histórias de dedicação à pescaria e decepções com a atividade diante da concorrência
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Antônio (ao centro) mantém tradição de atuar na pesca. Cassiano (à dir.) estimula educação dos filhos - Fotos: Marcos Russo

por Michelle Farias*

O sol ainda não tinha nascido quando as batidas na porta anunciavam que o momento tão esperado havia chegado. Mesmo sonolento, Cassiano Neves, então com 10 anos, se empolgava ao lembrar que acompanharia o pai em um dia inteiro no mar para pescar. Vinte e cinco anos depois, o pai, Antônio Bonifácio, se aposentou como pescador, aos 60 anos, mas Cassiano, atualmente mestre de bote, leva adiante a atividade da família. A intimidade com a pescaria o levou a chamar o mar de “minha casa”.

A atividade passa de geração em geração. Pai e filho moram atualmente na Vila de Pescadores da Penha, em João Pessoa, local onde fixaram raízes e compartilham histórias. Se depender de seu Antônio Bonifácio o número de pescadores vai continuar crescendo na Paraíba. Pescando apenas por lazer atualmente, ele sorri ao falar que um dos netos, de 11 anos, já mostra interesse pela pesca e embarca para o mar sempre que tem um tempo livre entre os estudos.

Cassiano pensa diferente e prefere que os filhos, de 18, 13 e cinco anos se dediquem exclusivamente aos estudos. “O mar está cada vez mais escasso, mais difícil. As embarcações maiores acabam levando tudo e nós que somos pequenos ficamos com quase nada”, desabafou.

O ritual antes de embarcar é seguido à risca. Embarcação e tripulantes prontos, rezar pedindo proteção a Deus e São Pedro é regra entre quase todos os pescadores. São pelo menos sete dias no mar em busca da quantidade necessária de pescado para garantir o sustento. “É cansativo, mas está no sangue. Quando eu não estou no mar eu sinto saudade”, afirmou Cassiano.

Edson Duarte começou a pescar mais cedo, aos oitos anos. O trabalho dos pais na pesca despertou o interesse do então garoto, que iniciou o trabalho no mar com a rede de arrasto. Proprietário de uma embarcação, Edson se divide entre a pesca em alto-mar e administração do restaurante que possui na Penha. “Tem dia que a gente pesca até 300 quilos, mas tem dia que a gente só consegue pegar a quantidade suficiente para se alimentar”, contou.

Comum entre os pescadores para além do amor pelo mar está o medo de ter a embarcação atingida por algum navio. Receio de pegar mal tempo e ventos fortes no mar são outros receios de quem vive da pesca. “O navio quando vem não quer saber quem está na frente, ele não muda percurso, ele passa por cima. A gente sempre mantém alguém acordado, monitorando, para evitar que acidentes aconteçam”, contou Edson.

Além disso, quem entra na embarcação de Edson é sempre orientado sobre a importância de preservar o meio ambiente. Todos nunca pisam nos corais, não jogam lixo no mar, não pescam peixes que estejam ameaçados de extinção e respeitam o período de defeso. “É do mar que tiramos nosso sustento. Cabe a nós preservá-lo”, avaliou.

Olhar para o céu é tão importante quanto conhecer a tábua das marés na semana em que se pretende embarcar. A regra é simples e foi citada por todos os pescadores entrevistados: em semana de lua não há pescaria porque tradicionalmente não há sucesso na captura de peixes. Outro fator observado é o horário de lançar as redes ao mar. Os pescadores dormem sempre durante o dia para iniciar os trabalhos às 17h, seguindo pela noite e madrugada.

Entre idas e vindas, histórias sobre o mar

Josias da Silva até tentou exercer outras atividades, mas a paixão pelo mar sempre o fez retornar para pescaria. Aos 14 anos, ele iniciou o trabalho na área, pescando sempre agulhas, das 4h às 17h e seguindo o caminho do pai, que foi pescador até os 60 anos. Porém, aos 20 anos, ele decidiu trocar o mar por um trabalho com carteira assinada em um supermercado. Depois, ele enveredou pela carreira de vigilante.

O retorno para a pesca aconteceu aos poucos e, hoje, ele trabalha administrando a peixaria de sua propriedade na Penha. Assim como ele, seus três irmãos também iam pescar desde adolescência com o pai. Um abandonou completamente a atividade ao se tornar adulto, outro voltou alguns anos depois e apenas um permanece vivendo da pesca.

Os custos para colocar uma embarcação no mar são altos. Para um período de sete dias, o dono do barco precisa investir cerca de R$ 1.500 entre combustível, pagamento aos pescadores e alimentação. Principalmente em João Pessoa, a atividade pesqueira não tem despertado o interesse dos mais jovens e muitos têm investido em passeios náuticos para turistas como principal fonte de renda.

No Sertão paraibano, a formação da Federação das Colônias de Pescadores, e Aquicultores de Águas Interiores da Paraíba surgiu como forma de buscar mais investimentos para o setor e benefícios para os pescadores. Mais de 36 colônias estão vinculadas à federação, totalizando mais de 20 mil profissionais. O presidente da federação, Galego do Peixe, explicou que no Sertão são pescados tucunaré, tilápia, feira, curumatá, piau e branquinha.

Mulheres na pesca

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Eliete começou como pescadora e hoje captura mariscos

O encantamento pelo mar começou ainda na adolescência. Ver o pai e vizinhos embarcando para pescar por vários dias em alto mar despertou em Eliete Barbosa a vontade de seguir o mesmo caminho. Decidida, ela seguiu com seu intuito e se tornou pescadora e solicitou ao Governo Federal o registro de pescadora profissional. Em todo o país existem atualmente 229.012 mulheres que exercem a pesca artesanal. Segundo mapa de indicadores do então Ministério da Agricultura, 653.495 licenças para pesca estão ativas.

Os primeiros passos de Eliete foram com a pesca por mergulho e, em seguida, utilizou o mangote. Quando chegou a hora de finalmente embarcar para o mar ela não teve medo. A oração foi sua companheira nos dias que passou na embarcação, compartilhando o espaço com outros pescadores. Apesar da experiência vivenciada, Eliete optou por seguir outros rumos, o de se dedicar à captura de mariscos, atividade que exerce atualmente.

As histórias de pescaria hoje são compartilhadas embaixo de uma árvore, saboreando um café e dividindo com os companheiros de atividade as histórias sobre o mar. Sair para pescar se tornou uma rotina cansativa, pelos enjoos que sentia na embarcação. Assim como ela, várias mulheres possuem o registro para pesca artesanal, mas já não exercem a atividade e se dedicam sobretudo a garantir estrutura para que os companheiros pesquem e limpeza do pescado.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 16 de abril de 2023.