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vida de pescador

Tradição que resiste a cada geração

publicado: 16/12/2024 09h09, última modificação: 16/12/2024 11h42
Atividade milenar é símbolo de resiliência e faz parte da cultura de várias famílias da comunidade da Penha
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José Paulino, ou Zeca, é o presidente da Cooperativa de Pescadores e aprendeu o ofício com o pai | Foto: Evandro Pereira
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Fotos: Evandro Pereira
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por Samantha Pimental*

Mar, sol quase o ano inteiro e uma paisagem paradisíaca. Assim é o bairro pessoense da Penha, local que não se destaca apenas pelo Santuário de Nossa Senhora da Penha, mas pela presença de pescadores. Uma atividade milenar que, apesar da tecnologia e do mundo conectado do século 21, permanece viva no cotidiano de inúmeras famílias, passando de geração a geração.

Para esses trabalhadores, a ida frequente ao litoral, muitas vezes nas primeiras horas do dia, significa a busca pela renda, ou seja, pela própria sobrevivência. Um desses profissionais da pesca é José Paulino de Lima Filho, presidente da Cooperativa de Pescadores que vem se organizando no local. Mais conhecido como Zeca, ele conta que nasceu na Praia da Penha e aprendeu o ofício com seu pai, que também era pescador.

“Essa tradição de aprender o ofício com alguém da família, amigos ou vizinhos, ainda existe no local. “Quando não é com o pai, é com alguma pessoa mais adulta que leva. Aqui mesmo, temos pescadores que estão com a gente hoje que já aprendeu com outro, que aprenderam com outro… vai passando de um para o outro”, conta.

Esse foi o caso de Thiago Santana dos Santos. Ele começou a se interessar pelo ofício por “esporte”, mas pegou gosto, como ele mesmo diz, e, depois de um tempo, acabou fazendo da pesca sua ocupação principal. “Comecei na Praia de Jacarapé, jogando linha na beira da praia. Depois, comecei a jogar rede, tarrafa, e mais tarde passei para a parte do mergulho. Me tornei um pescador profissional”, conta.

Ele relembra que seu avô exercia o mesmo ofício e que, desde criança, já tinha contato com a pesca. Atualmente, seguindo na profissão, não pretende mais sair. “Saio mais não! É bom… tem dia bom, tem dia ruim. Pescaria é sorte e também tem a ver com o tempo, as estações do ano influenciam também”, explica.

Outros caminhos

Apesar de muitos veteranos ensinarem a arte da pesca para os mais jovens ou iniciantes, há morador na comunidade que opta por outro caminho. Segundo Zeca, antigamente, existiam mais pescadores na região, pois poucas pessoas trabalhavam em outra atividade fora da Penha. Porém, seus filhos, por exemplo, não seguiram nesse ramo, todos foram morar e trabalhar em outras regiões do país e até mesmo no exterior.

“Eles foram buscar uma vida melhor, e hoje muitos aqui não querem mais pescar, a gente entende. A pesca não rende tanto quanto rendia antes. Os filhos veem os pais naquela dificuldade, o trabalho não chama mais tanta atenção. Eles querem ganhar mais dinheiro”, afirmou.

Contudo, mesmo que o retorno financeiro não seja grande, o pescador diz que gosta da tranquilidade da vida na Praia da Penha e que não se imagina fazendo outra coisa que não seja pescar. “A pesca é maravilhosa, é uma satisfação grande. Já trabalhei de pedreiro, carpinteiro, pintor, mas só me realizo nessa atividade. Não me vejo sendo outra coisa”, ressalta Zeca.

No ofício há 40 anos, junto com um grupo de mais 10 pessoas, ele busca uma organização em torno da construção de uma cooperativa que possa fortalecer o trabalho.  “Estamos começando com poucos pescadores, para depois ir chegando mais gente, ir crescendo. A gente tem assessoria da secretaria do município, porque tem que estar tudo legalizado para trabalhar. A gente quer vender para prefeituras, para programas do estado também”, afirma.

Zeca ainda contou sobre a dificuldade de entender a burocracia e as legislações, por isso, tudo tem sido bem orientado e discutido entre eles. Porém, ele afirma que o grupo não é formalizado juridicamente. Mesmo assim, os pescadores já atuam de forma coletiva, ajudam no dia a dia, nas atividades de pesca e manutenção das redes e barcos.

Sobre o volume de pescado adquirido, ele frisou que, anos atrás, tinha mais peixe na Penha. Hoje, a atividade ficou mais difícil, porém a produção é suficiente para manter o sustento das famílias. “Não tem como dizer que é ruim, tem épocas em que o vento não permite que a gente vá pescar de jangada, porque é arriscado. Quem vai de barco maior ainda pesca. Nesse período, a gente aproveita para limpar os barcos e fazer manutenção. A gente só vai nos dias que dá”, explica.

Maior fluxo de pessoas favorece a criação de emprego e renda

O pescador Zeca comenta que a região cresceu bastante e aumentou o movimento turístico nos mais de 55 anos em que ele reside no local. O maior fluxo de pessoas trouxe mudanças para o dia a dia dos moradores.

“No fim de semana o movimento é grande na praia, dá bastante gente. Isso é bom e ao mesmo tempo é ruim. Gera bastante emprego, mas a gente também tem a preocupação ambiental. A gente pega lagosta nos arrecifes, por exemplo, e tem passeios de barco, com muitas pessoas. Isso muda, totalmente, o ambiente marinho, porque o peixe muda de rota”.

Ele ainda se preocupa com a poluição do bairro, por isso o grupo de pescadores vem buscando, com a Prefeitura de João Pessoa, a realização de um projeto que trate sobre esse problema. “A gente, como pescador, sabe que não pode ficar isento das coisas, porque a gente é a base”, destaca.

As mudanças também trouxeram coisas boas, como a maior facilidade de comercialização dos peixes. Sobre isso, Zeca recorda que, no passado, era preciso que os pescadores saíssem a pé até o Centro da capital para poder vender seus produtos. “Naquele tempo, meu pai saía daqui para o Mercado Central, com um calão de peixe (vara usada para prender uma rede de pesca) nas costas, para vender lá. E só tinha um frigorífico que era lá, para vender e poder angariar o recurso para a casa. E tinha os pombeiros, que eram os atravessadores que compravam do pescador para vender. Hoje, já vende aqui na beira da praia mesmo”, afirma.

Com o aumento do turismo na região e as diversas peixarias e barracas instaladas à beira mar, Zeca diz que o pescado é rapidamente vendido sem muito esforço. Segundo ele, assim que o barco atraca, já há comprador na praia. Assim, o montante é escoado para as peixarias e os compradores avulsos.

“O peixe que você trouxer, todo mundo compra. Tem gente que vem de fora também, de outros bairros e temos fregueses em todo canto. Essa parte da venda melhorou demais”, afirma.

Variedade

De acordo com os pescadores, na Penha, é possível encontrar todo tipo de pescado, inclusive lagosta, produto que pode ser encontrado no comércio local. Quando o tempo está favorável, a atividade é exercida todos os dias. Zeca explica que, normalmente, os pescadores saem pela manhã para lançar as redes e voltam para puxá-las ao fim da tarde. Há ocasião em que lançam a rede ao entardecer e só recolhem no dia seguinte.

Há também quem passe dias no mar. “Cada pescaria tem seu jeito, depende da armadilha”, diz ele, contando que a rotina dos pescadores é essa, e que o trabalho segue um ritmo que é também ditado pela variação das marés e pela cadência dos ventos e do mar, de onde tiram seu sustento.

Saiba mais
Historicamente, a Penha surgiu de uma vila de pescadores, que começaram a ocupar o local, aproximadamente, no ano de 1900. Segundo dados do Censo Demográfico 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 648 pessoas residem no bairro atualmente, e os moradores vivem, sobretudo, de atividades comerciais ligadas ao turismo e da pesca. Vale lembrar que, em épocas em que não é possível pescar, durante o período de defeso de alguma espécie, os pescadores recebem o chamado Seguro Defeso, concedido pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), como explica Zeca

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 16 de dezembro de 2024.