Uma imagem de Iemanjá com cabeça e braços decepados por cerca de oito anos em João Pessoa. Uma procissão impedida de sair em Cajazeiras, no Sertão. Templos católicos e evangélicos pichados em algumas cidades. Dificuldades estruturais para o licenciamento de um centro budista, na capital. Esses são casos que apontam para um intenso contexto de intolerância religiosa na Paraíba, cenário que motivou a realização, ontem, de audiência entre o Ministério Público da Paraíba (MPPB), por meio da Promotoria de Meio de Ambiente, e o Fórum de Diversidade Religiosa da Paraíba.
O tema foi o tombamento material e imaterial de artigos, templos e expressões religiosas e a viabilização de ações de integração e tratamento equânime dos grupos religiosos. O encontro contou com representação de cerca de 36 religiões, como católica, evangélica, islã, espiritismo, umbanda, judaísmo, candomblé e o budismo.
O encontro veio como resposta a uma provocação do Fórum de Diversidade Religiosa da Paraíba em reunião realizada em outubro do ano passado com o Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa da Cidadania e Direitos Humanos. “Esses casos são emblemáticos para que a gente entenda que a intolerância religiosa vai permear por várias religiões e contextos. A gente precisa, nesse caso, unir forças para que a gente possa construir políticas públicas e pontes, ao invés de muros, e mostrar que é possível a coexistência pacífica e respeitosa entre as religiões”, explica Saulo Gimenez, coordenador-geral do Fórum de Diversidade Religiosa da Paraíba.
“O Ministério Público trabalha para garantir efetividade aos direitos fundamentais. Entre esses direitos, está o de liberdade religiosa. Ele também tem como função institucional garantir o respeito às culturas, às religiões. E é isso que o Ministério Público está fazendo”, afirmou o promotor do Meio Ambiente de João Pessoa, José Farias de Souza Filho, que dirigiu a audiência.
Ele explicou também que os efeitos das discussões e decisões tomadas durante a audiência serão sentidas por toda a população, e que o órgão tem se empenhado para proporcionar um bom convívio entre os diversos grupos religiosos. “Para a sociedade, é importante o reconhecimento do respeito à diversidade religiosa e o encaminhamento das medidas protetivas a essa diversidade”.
O procurador geral da Fundação Cultural de João Pessoa (Funjope), Ariano Fernandes, também esteve presente e destacou a importância desse encontro para o diálogo sobre religião, que é fomentado, também, pela Fundação. “A Funjope como uma das protetoras do patrimônio público imaterial de uma pessoa, está sempre aberta a essa questão de liberdade religiosa, da cultura de matrizes religiosas. Então, ter essa conversa, encontrar um grupo tão empenhado nessa defesa, mostra para a Funjope que existe um diálogo ainda muito maior, que deve ser sempre buscado, e ela se mostrar aberta a isso, a poder ajudá-los, promover essa parte do patrimônio e receber as mais diversas matrizes que o nosso município tem para oferecer”.
Saulo Gimenez disse ainda estar satisfeito com os encaminhamentos feitos pelo promotor do Meio Ambiente. “A dinâmica que o promotor José de Farias deu para as questões de patrimônio material e imaterial e aquilo que a gente tem de resgate de memória, a questão também de fazer a organização dos tombamentos de alguns templos de outras religiões, hoje a gente sai satisfeito”, ressaltou Saulo.
Respeito às religiões
Consoante aos avanços já obtidos, o coordenador Saulo Gimenez afirmou que a luta continua e que outras ações ainda estão sendo desenvolvidas no intuito de valorizar as religiões representadas pelo Fórum. “A gente está, também, com as questões com o combate à inteligência religiosa, ensino religioso, e estamos tentando construir, também, um entendimento do que é diversidade religiosa e de como esse ínterim religioso funciona na construção de uma cultura de coexistência de paz”, destacou.
Encaminhamentos
Como encaminhamento da audiência pública, o Fórum de Diversidade Religiosa da Paraíba se comprometeu a indicar os templos a serem tombados e preservados e dialogar com a Funjope sobre as expressões religiosas a serem preservadas.
Criação de um museu
Outro encaminhamento dado durante a audiência foi o do Iphaep analisar as possibilidades de tombamento dos templos e a proposta da criação de um museu. Especificamente sobre a situação que o templo budista enfrentou para ter os licenciamentos devidos, o Ministério Público decidiu abrir um inquérito para avaliar as responsabilidades existentes.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 07 de março de 2024.